Desquarentena


Sabe o Horário de Verão? Então, foi colocado como regra (escrevo como quem nasceu e segue vivendo e escrevendo no estado de São Paulo), todo mundo se adaptou e se você quisesse chegar para trabalhar às nove da manhã, conforme mostraria seu relógio, alegando que na verdade o horário ainda seria oito da manhã na realidade que seguiu sem alteração somente na sua cabeça, você provavelmente não receberia um sorriso do seu chefe. Atrasado. Advertido. Demitido?

Pois bem. Assim como aquele adiantar e atrasar de relógio para perder e ganhar uma hora uma vez ao ano, a Convid-19 chegou e já mudou tudo, você aceitando ou não.

Me recuso a escrever “o novo normal”, ok, acabei de escrever “o novo normal” (duas vezes) porque as coisas mudam com o tempo (graças a Deus) e acontece que algumas situações, como esta, apenas aceleram as mudanças. Eu lembro quando passou a ser proibido fumar em locais fechados – assim como lembro de quando as pessoas sopravam fumaça de cigarro na nossa cara. Meu pai cansou de ser lembrado pela minha mãe para colocar o cinto de segurança antes de sairmos da garagem com o carro, em uma época em que usar cinto passou a ser obrigatório, com direito à multa! Olha que absurdo! Multa para me forçar a cumpri algo pela segurança das pessoas! – enquanto escrevo, lembrei ainda daquele kit de primeiros socorros que também foi imposta a obrigatoriedade nos veículos por um período. Um clássico! 

O meu ponto é que já deu para “o surto” no comportamento das pessoas. Desquarentena, minha gente. Bora ser feliz (ou no mínimo termos paz) no cenário que temos para agora. Não, isso não é sobre abrir estabelecimentos de forma desenfreada e sem cuidados neste momento nem continuar fazendo churrasco no fim de semana e me mandando foto enquanto eu estou ficando em casa. 

O meu “desquarentena” é: para de ficar ligando tudo o que fizer ou deixar de fazer ao Coronavírus. Simplesmente tente entender que essa é a realidade do nosso momento (lembra do Horário de Verão? Acordar às seis e ainda ver a lua?), portanto, viva de forma saudável (para o corpo e para a cabeça) as possibilidades que temos para agora. 

É triste sabermos das mortes e da condução do presidente que representa o bonde dos sem-noção que estão cagando para regras? É. Muito. Mas a gente só consegue fazer aquilo que a cabe a gente, para o bem do mundo e para nós mesmos. 

Vai ter vacina? Vai. Mas definitivamente quem não mudar como pessoa com o aprendizado que estamos recebendo em meio a tudo isso, vai continuar sofrendo, seja por teoricamente não poder fazer festa na garagem com a família e os amigos ou simplesmente porque na próxima lição não vai ter terminado sequer essa tarefa de casa. Porque, sim, essa é outra certeza: virão novas lições para o mundo nessa proporção, menor e maior. 

Por isso, aprendizado número um: quem chega atrasado para a aula, demora mais para alcançar os outros e, consequentemente, para aprender o que é preciso. 

Conheço pai que tem filho perdendo a visão e filho ensinando os pais a enxergar de mente aberta. Tem gente perdendo o emprego, outros tirando o peso de um emprego das costas. Há quem fique paraplégico e quem volte a andar, quem herde uma grana imensa e quem leve golpes que nos tiram coisas que juntamos com muito valor na nossa alma. 

Portanto, temos que fazer nosso melhor pelo bem maior sem surtar porque agora temos que usar máscaras para comprar pão. Neste sentido, desquarentena. 

Sinto falta, sim, de me reunir toda sexta com meus pais, irmã e cunhado, ainda mais neste momento em que minha irmã está de 39 semanas de gravidez, com a minha sobrinha prestes a chegar a qualquer momento. Ainda assim, nos falamos o tempo todo e os meus presentes e amor pela Olívia chegaram em sua casa antes mesmo de ela nascer. 

Queria ir ao cinema e pedir pipoca com meu namorado depois de uma voltinha pelo shopping ou de um boteco no almoço. Mas para agora não dá. Graças à quarentena? Sim. Mas, por favor, tente fazer a desquarentena na sua cabeça, no seu coração.

Sobre vontades e possibilidades, querer e ter... Imagine aquele perfume que você tanto queria, mas a grana curta não te deixa comprar agora. É uma boa linha para fazer o exercício de diminuir a paranoia e fazer uma “desquarentena” consciente. Pense que, mesmo não sendo aquele que quer, no seu armário já tem um perfume gostoso para você curtir e que, além dele, é sempre delicioso descobrir novas fragrâncias que acompanhem o nosso momento.

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