Leitura | "Mulheres que tomam a iniciativa"

Na falta de tempo para escrever, eu pego os textos dos outros e falo que fui eu que escrevi. É nada. Ainda resta ética na Terra.

Essa é a Mariliz Pereira Jorge, formada em comunicação social – como eu, só que mais bem sucedida –, colunista da Folha e editora do programa da Fátima Bernardes. Ela é toda famosa no Facebook e sua pegada é comportamento feminino.

Li. Gostei. Tem a vibe do VJ e sugiro que vocês conheçam.



Mulheres que tomam a iniciativa
18/09/2014


Mariliz Pereira Jorge

Li uma reportagem sobre mulheres que mudaram a história. Maud Wagner, a primeira tatuadora nos Estados Unidos, em 1907. Winnie, the Welder, uma das duas mil mulheres que trabalharam em navios durante a Segunda Guerra Mundial. Jeanne Manford, que em 1972 apoiou seu filho gay em passeatas pelos direitos dos homossexuais.

Eram 25 exemplos de mulheres extraordinárias, que derrubaram tabus, mas uma pequena mostra de como somos cada vez mais capazes de tudo. O que não mudou é que a maioria continua esperando o cara ligar no dia seguinte.

A gente espera tudo. Espera o cara pedir o telefone. Mandar a primeira mensagem. Convidar para sair. Mandar a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a décima mensagem. Mesmo assim, perguntamos na terapia, no grupo de amigas do celular, na taróloga, se devemos mandar uminha, uma única mensagem que seja. E se ele achar que tô pressionando? Melhor esperar.

E dá-lhe esperar. O cara está lá, de conchinha, e a gente não dorme esperando que ele diga que vai ficar. Ele dorme profundamente e a gente continua esperando. Ele vai embora e a gente espera que ele mande uma mensagem dizendo que a noite foi legal.

A gente arranca os cabelos. Passa todas as fases do Smash Hit. Checa se ele ficou online no Whatsapp 87 vezes. Entrega a dissertação do doutorado. Come duas barras de chocolate porque o cara não deu sinal de vida dois dias seguidos. Mas a gente espera.
Esperamos ele pedir em namoro. Apresentar aos pais. Aos amigos. Ao porteiro do prédio. Esperamos ele dizer eu te amo. E que é hora de morar juntos. E, então, esperamos todos os dias da vida o pedido de casamento. Finalmente posso ter certeza que o cara gosta de mim, desmaiar aliviada e passar a ligar para ele 387 vezes por dia.

Um amigo reclama que a namorada telefona ou manda mensagem a cada dois minutos por qualquer motivo. Eu digo que isso é espera acumulada. A gente demora tanto a se sentir confiante para ligar, pra tomar a iniciativa, que perde o bom senso, extravasa a angústia.

Enquanto isso, a gente faz sucesso em qualquer profissão, vai à lua, pilota avião, descobre a cura de doenças, luta em guerras, surfa ondas de 25 metros, troca a resistência queimada, cria filhos sozinhas.

E continua esperando o cara ligar.

Sim, o mundo é machista. O homem ainda é criado para ser o ativo na relação e por isso ficamos em nossa doce e dolorosa passividade. Mas muitas vezes alimentamos esse circulo vicioso porque não apenas esperamos que ele ligue, mas que pague a conta do restaurante - sempre -, do motel, da casa, da vida. E viramos reféns da nossa falta de atitude.

Esse comportamento não muda de uma hora para outra. E o homem que está acostumado a dar o primeiro, o segundo e todos os passos apenas quando quer e bem entende pode se sentir desconfortável. Mas então se pergunte, você quer uma pessoa que não valoriza os seus sentimentos por ela? Que vai lhe julgar por isso?

Ninguém está aqui defendendo que a mulher tenha atitudes masculinas. Talvez o maior erro da classe seja acreditar que pra ser moderna têm que agir como homem. Não precisamos deixar de ser o que somos para ter mais igualdade na vida e na forma que nos relacionamos. Tomar a iniciativa não precisa ser a mesma coisa que perder o respeito por si mesma.

E está mais do que na hora de tirar essa responsabilidade toda do ombro dos meninos. Haja autoestima para passar boa parte da vida sendo o lado que tem que ligar, que tem que mandar mensagem, que tem que pedir em namoro, que tem que fazer tudo dar certo. Imagina o estresse. Eu teria preguiça. Vou lá pro bar com os amigos.

Ontem mesmo, uma amiga me disse que está apaixonada por um amigo, um cara com quem ela tem ido até ao supermercado. Ela acredita que ele sente o mesmo. Muita gente dirá que se ele quisesse eram favas contadas. Mas eu acredito de verdade que os homens têm vários motivos para não tomar a iniciativa, além de não estarem a fim. O que não muda o fato de que tudo fica no zero a zero.

Só consegui dizer à ela que a gente perde tempo demais tentando imaginar o que passa na cabeça do outro. Que ela tem duas opções, esperar que a história se desenrole e correr o risco de levar uma rasteira, se ele aparecer da noite para o dia com outra garota, ou ser honesta com os próprios sentimentos e ter coragem de falar o que quer dessa história.

Adianta a gente dar uma de bem resolvida e continuar checando o celular o dia inteiro? Não importa o que o outro vai pensar, o que ele vai fazer com a informação de que, sim, você gosta dele. Isso é problema dele. Mas, então, você estará aliviada por ter se posicionado e ter feito alguma coisa por você mesma.

Se ele tem medo, se não é a hora ou se não gosta de você, faz parte. Ele que vá resolver as noias e os problemas e deixe seu caminho e o seu coração livres. Todo mundo deveria encarar as coisas do amor de um jeito mais leve. Eu sei, é fácil falar. Mas no fundo, quando as coisas não dão certo a gente sofre uma semana e depois vai tocar a vida.

A coincidência é que no mesmo dia, outra amiga, que casou recentemente, me contou que foi ela quem pediu o então namorido em casamento. "A gente já morava juntos há um ano. Sei que para ele estava bom daquele jeito. Mas casar era um sonho meu. Pedi e marquei o lugar da festa." No dia seguinte, ela ouviu que o cara deveria estar se sentindo pressionado. Não estava. Ficou feliz e ajudou em toda a preparação da festa.

Daqui alguns anos, Letícia, a minha amiga, talvez não esteja na lista de mulheres que mudaram o mundo. Mas ela certamente está sendo mais prática que a maioria e ajudando pra que a vida de muitas de nós seja mais igual num assunto que deveria ser simples: o amor. Talvez num futuro não tão distante uma mulher convidar um homem para sair ou pedi-lo em casamento sejam só detalhes da vida.

Chega de esperar o telefone tocar.




Comentários