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Quando nada parece limpar direito, o que fazer para tirar o encardido que insiste em ficar em um relacionamento? |
Alguns encardidos realmente não saem. Eu
chego a tingir calças jeans com cores mais escuras para continuar usando sem
medo de olhá-las contra a luz e evidenciar aquelas maravilhas de marcas nas
dobras e nas bordas.
Enquanto cortava o meu cabelo, o
mãos-de-tesoura que me atendia pela primeira vez puxou assunto: ”Hoje estou
comemorando vinte anos de casado com a minha mulher”. “Ah, legal”, respondi.
“Sim, dei uma máquina de lavar roupas para ela. A gente nesse tempo todo teve
um tanquinho e agora ela começou a ter dores nos braços por torcer as roupas...
Então achei melhor termos a máquina, mas ela não tira o encardido como o
tanquinho, então a gente vai deixar ele lá para quando precisar”.
Gente, o fofo aparentava ter uns quarenta e
cinco anos. Como assim “tanquinho”? Tanquinho pra mim não é termo mais nem para
se referir a barriga de homem sarado, o que dirá para uma coisa usada para
lavar todas as roupas do dia a dia! Eles devem usar ferro à brasa para passar
essas roupas, só pode.
Enfim, passados o meu trauma e a preocupação
que fiquei depois com o meu cabelo sendo cortado por uma pessoa que ainda deve
deixar carvão na geladeira para tirar o mau cheiro, me bateu muito o comentário
final dele sobre essa história e o ponto de ainda conservar o tanquinho para
limpar melhor quando precisar. Será que esse é o grande lance dos
relacionamentos que duram muito tempo? O que é preciso guardar da essência do
casal para que eles não se percam nas dificuldades? Quando nada parece limpar
direito, o que fazer para tirar o encardido que insiste em ficar em um
relacionamento?
Na vida a dois, quando a coisa encarde
embaixo de um mesmo teto, há um filho e não há dinheiro o suficiente ou
emprego, há honestidade mas não há mais tesão, existe a vontade de uma vida a
dois mas as manchas insistem em aparecer o tempo todo, será que tingir para
encobrir resolve?
Eu acredito que às vezes, sim. O problema é
saber a hora de jogar no tanquinho ou levar esse relacionamento para a
lavanderia em tempo de consertar o que o dia a dia sujou. Confiança quebrada se
reconquista? Eu posso afirmar que sim se ainda há algo maior que valha a pena e
se é possível perdoar naturalmente, com sinceridade. Existiria a tinta do
respeito para ser comprada quando aquela original começar a desbotar?
Definitivamente, não. Os retoques originais da admiração e do amor, não podem
ser resgatados com tecnologia. Não há centrífuga que seque nos olhos de alguém
aquela forma indiferente de olhar para o outro que surge com o desgaste.
Em uma entrevista, o fundador da plataforma
Buscapé, Romero Rodrigues, disse que trocou “o direito de propriedade pelo de
uso para não se tornar refém de bens acumulados”. Isso é o ápice da definição
da forma como vivemos hoje. Não compramos, alugamos. Não preparamos, descongelamos.
Se está gasto, a gente troca. Afinal, quem teria espaço para manter um
tanquinho em casa para quando precisarmos tirar o encardido? Comprar um jeans novo é
mais empolgante. E o usado é sempre mais confortável.
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