Onde eu estava








A última vez que escrevi foi há mais de dois meses. Isso porque escrevo todos os dias, porém, no meu trabalho. Onde eu estava nesse tempo que não escrevi sobre mim, sobre coisas ao meu redor e o efeito que elas me causam?

Eu estava me cuidando. Me segurando a mim mesmo. Poupando a pouca energia que me restava para me manter no ritmo. Não havia o que doar além do que eu já entregava ao longo do meu dia. Nada além do que as situações em volta retiravam de mim sem ao menos perguntar “Posso levar mais um pedaço?”.

Durante esses meses, eu estava ouvindo. E lidando. Onde? Nas situações inquietantes das pessoas.

Na amiga que descobre que o câncer em sua mãe voltou depois de um respiro de alívio resultante de meses de sofrimento e de incerteza. Na outra mãe que lida com os questionamentos do seu filho ainda criança sobre a nova dinâmica dos pais separados. Na relação de pessoas que simplesmente não se dão porque imaginam coisas umas das outras e que, quando ouvimos os dois lados, vemos que não passam de interpretações sem sentido.

Nesses últimos meses, eu estava ali amadurecendo. Esse processo, como todo trabalho biológico para o crescimento dos seres vivos, desprende energia. Muita energia. Ela é o alimento para evitar a deficiência quando somos empurrados para sermos maiores do que éramos.

Recusei alguns encontros com amigos enquanto eu descobria onde eu estava. Teve até convite chique de casamento que foi parar na minha estante entre livros já lidos. Nunca estive na festa. Nem na igreja. O que vi foi pelo Instagram durante a única deslizada de dedo na rede social naquele fim de semana de recolhimento.

Vi uma pessoa que amo descobrir os desafios que vai ter que encarar para realizar o sonho de ser mãe. Por outro lado, ouvi sobre a filha que não fez questão de estar com a sua mãe neste Dia das Mães. Enquanto isso, uma outra filha se aproximava do primeiro aniversário de morte de seu pai na data bem próxima ao Dia dos Pais. Era ali que eu estava.

Fiquei vendo adultos que não assumem suas responsabilidades simplesmente porque estão debruçados na preguiça de seus altos cargos. Até porque sempre há alguém que fará o trabalho por eles. Pois se ninguém fizer, a conta não fecha. E se não fechar, alguém vai ser cobrado por isso. Advinha quem?

Eu estava ali vendo meu pai mudar sua rotina por motivos de saúde e minha mãe escondendo até o último minuto uma possibilidade que poderia ter virado as nossas vidas de cabeça para baixo.

Estive vendo familiares se afastarem cada vez mais por pura vaidade.

Logo ali, estava eu, em uma festa e outra. Encontrando um ex-namorado e outro. Um que fingia não me ver ali e o outro que evitava a qualquer custo cruzar comigo para não força um abraço cordial e nada mais.

Eu estive em um encontro em que o cara me convidou e pediu para eu ir curtir com outras pessoas e deixá-lo ali. Quando atendi seu pedido depois da terceira insistida, recebi a seguinte mensagem na manhã seguinte: “Eu disse aquilo da boca para fora... Eu esperava que você ficasse ali se dedicando a mim”.

Nesse tempo, estava recebendo outras mensagens que pediam para eu me afastar por eu não poder oferecer o que queriam, enquanto, dias depois, o mesmo me chamava com um confuso “Espero que me entenda. Saudade de você”.

Ou eu estava no Whatsapp com aquele cara que escreveu que havia uma notícia ruim para me dar. Disse que estava namorando. Eu desejei felicidades. Dias depois, me mandou uma nova mensagem dizendo que queria transar comigo. Quer notícia pior que essa para quem está em um relacionamento? A vontade por um outro... Onde eu estava? Ali, inconformado.

Certa vez eu estive na orientação de um senhor muito humilde que era assediado pela imprensa por ser suspeito de uma intenção de abuso sexual depois de dar carona para uma mulher à beira da estrada e o carro do homem. Semanas depois eu estava recebendo uma marmita com salgados feitos por ele como forma de agradecimento pela minha ajuda.

Ao estarmos abertos às pessoas como eu estou, conhecemos o pior e o melhor dessa experiência louca que somos nós.

Só agora eu percebo onde eu estava nesse tempo. Eu estive no meio de algo entre a certeza que sempre tive sobre tudo e todas as incertezas que a vida me impôs em cada uma dessas situações.

Posso dizer que estou um pouquinho acima dessa aflição. Consciente de tudo. No exercício de estar em paz para lidar com as pirações sem me fechar em uma caixa blindada para não ser atingido por elas. Aberto. Seguindo meu coração. Pedindo por sabedoria. É só por isso que agora estou aqui, escrevendo.


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