Dei de ouvidos




























Este com certeza foi o ano em que menos escrevi por aqui. Por outro lado, foi o que eu mais ouvi por aí.

Ao conquistar um novo passo na minha profissão, me tornei responsável por uma equipe de dezesseis pessoas. A experiência me empurrou para o meio de um coliseu de arquibancadas lotadas e que, a cada vez que a porta da arena se abria, surgia um leão, um gladiador, uma carruagem que me desafiava a tomar as rédeas ou ser atropelado. Dominar ou ser engolido. Firmar os meus pés ou ser empurrado para longe. Me posicionar ou ser esquartejado. No entorno, alguns curiosos encarando cada movimento para ver até onde você é capaz de ir.

Uma experiência como essa te força a aprender a observar, a ouvir, a estudar. Eu, expansivo, falante, agitado, ansioso, dono de mim e das minhas verdades, tive que buscar um novo eu para lidar com o eu esperado pelas pessoas.

Uma das minhas maiores surpresas do ano foi o dia em que estava na fila do Mc Donald’s e eu não sabia qual lanche pedir. Logo eu tão seguro no sabor do Quarteirão e tão ousado a ponto de encarar cada lançamento da marca. Parei... Olhei... Fiquei... A menina do caixa me chamou e eu embalei no pedido que a minha turma estava combinando. O resultado foi que eu não curti muito o sanduíche, mas adorei o meu desapontamento, afinal, ele surgiu de uma tentativa, de uma dúvida que eu me permiti.

A dúvida só é possível quando se ouve. Quando nos abrimos. Na leitura durante o almoço, uma amiga ficou passada com o livro em minhas mãos que falava sobre hábitos saudáveis. Outra vez na livraria, comprei o lançamento de um guru que fala sobre nossa conexão com nós mesmos e poder de cura disso. Logo eu que sempre desacreditei de frases e pensamentos prontos que enriquecem autores que se aproveitam da carência alheia.

Mas as pessoas são carentes. Inclusive eu. Por isso das minhas leituras, das minhas preces. Ninguém aprende sozinho.

Este ano uma das minhas maiores surpresas foi ver, na prática – e com muita frequência – como duas pessoas podem olhar para uma mesma folha de papel branca e ver coisas completamente diferentes. E quando se é líder em uma equipe, muitas vezes não há certo ou errado entre essas duas visões, são apenas dois jeitos diferentes de perceber uma mesma coisa, cada um com base em suas referências, momento de vida, humor do dia ou horário da fome.

Em meio ao ouvir mais e falar menos, é uma delícia descobrir o que somos capazes de mudar na gente e o que não. Eu insisto na minha paz e no meu equilíbrio, mas não me anulo. Sei dos meus gostos, o que me faz bem e não, porém, me permito viver um pouco mais do outro. Por empatia, aprendizado ou apenas tentativa de compreensão. Eu descobri que, se estamos dispostos e cientes disso, mal não faz.

Ao longo de 2018, li Karnal, Cortella e Baba. Como esperado, pouco me acrescentaram. Mas o lance é que eu me abri para conhecer. Para entender e guardar, não para me mostrar.

De modo geral, eu descobri que toda leitura ensina, afinal, o ideal é que ela te leve ao silêncio. Meu maior aprendizado este ano veio disso: do saber silenciar.

O silêncio do trabalho individual, os ouvidos para o resultado em grupo. Da casa a dois, à rotina somente com meus pensamentos.

Ficar quietinho enquanto pessoas ao redor trocam farpas, olhar silenciosamente um comentário sem noção, não dizer o que não precisa ser dito, o que não acrescenta, o que pode fazer mal ou causar algum desconforto sem necessidade de tal. Porque às vezes será necessário dizer e corrigir e discutir porque é assim que aprendamos: falando, mas, principalmente, ouvindo.

Este ano tatuei uma fênix, pequena, discreta, com uma técnica que dá a impressão de ela estar surgindo e desbotando. Porque para mim a nossa certeza e o nosso aprendizado ocorrem assim, em destaque e em ausência.

A fênix ressurge de uma nova forma, a partir de si mesma. Para mim, é um novo dia. Sou um novo eu, que sempre tem o que dizer, mas que nos últimos meses entendeu o presentão que recebemos ao dar de ouvidos em vez de simplesmente dar de ombros.


~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D|  


Compartilhe pelo WhatsApp
Ao acessar o Caneca pelo celular, compartilhe este texto com seus amigos. É só clicar na descrição abaixo.

~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| 

Comentários