Melhor estarmos despreparados


























Lá se foi mais um. Dessa vez, a cantora Bibi Ferreira. Antes dela, uma das integrantes do grupo Fat Family. Antes desa, o jornalista Ricardo Boechat. A cada F5 na tela, uma morte, um tipo de dor. Quantos foram em Brumadinho? 

No WhatsApp, tudo chega, você estando pronto ou não. No grupo da família, uma prima mandou a notícia da morte da Bibi e minha mãe comentou "Eu vi, mas não coloquei porque esse grupo está parecendo aviso de falecimento". Dei risada, mas está esquisito, está tenso, estou meio para baixo.

Neste mesmo dia da morte da cantora, mais cedo, minha amiga comentou em poucas palavras o resultado de um exame e que a notícia não é boa sobre o seu pai. Enquanto isso, um amigo cancelava o jantar combinado para a semana porque passaria a noite organizando as coisas para os exames que sua mãe faria na manhã seguinte em preparação à cirurgia que está por vir.

Na vibe "Eita atrás de Eita", cheguei em casa e um pensamento muito forte socou a minha fuça: o que é que eu estou fazendo aqui?

Não precisou da meia idade para bater a crise. Enquanto o vilão do filme "Os Vingadores: Guerra Infinita" estala os dedos e os super-heróis viram farelo em poucos segundos, neste curta metragem da nossa vida, o sofrimento se arrasta por muito mais que algumas cenas.

Fechei meus olhos. Perguntei de novo para mim mesmo: o que é que estou fazendo aqui?

Na hora me ocorreu como resposta o sentimento de doação. De me doar. E uma onda louca que traziam pensamentos sobre nos abrirmos, servirmos, nos entregarmos e, assim, amarmos. Definitivamente, aprendermos.

Mas como, gente? É câncer atrás de câncer, parkinson, o tal alemão que nos faz esquecer quem somos e sofrer um AVC virou o novo tropeçar na rua. 

A única coisa que me bate é que estaremos sempre despreparados. E em vez de planejarmos, prevenirmos e noiarmos sobre tudo de ruim que pode vir, para mim, esta noite, o pulo do gato passou a ser aceitarmos esse despreparo, o abraçarmos e ainda ousarmos o conforto de olhar nos olhos dele e dizer: OK, eu realmente não sei de nada, então me mostra.

Não pense que é simples. Estarmos conscientemente despreparados pode ser a nova faculdade mais concorrida do mundo, afinal, sabemos de tudo, temos opiniões sobre todos, acessamos informações sobre qualquer coisa. Como poderíamos não estar preparados? Está tudo aí. Somos os fodões!

Uma pessoa que falta em uma segunda-feira de trabalho é porque ainda está bêbada do fim de semana, a menina que dá moral para o cara é porque está saindo com ele, o outro que está um pouco mais na dele, só pode estar com depressão. Todo mundo tem o diagnóstico pronto! Até que o helicóptero cai, o linfoma se espalha e o coração para. Nessa hora, ficamos reféns da nossa ignorância.

A mãe de uma amiga vive com o câncer há três anos. Ninguém dá jeito. A pelota só aumenta. Já chorou horrores. Ela. A mãe. Marido. Eu. Na última semana, recebeu seu primeiro netinho. 

A chuva de perguntas do tipo "Como ela está?", deu lugar a uma deliciosa surra de imagens da criança que a faz responder com sorrisos a cada clique da super câmera com "modo retrato" da minha amiga.

É difícil escrever isso porque soa prepotente até para mim mesmo, mas vou arriscar compartilhar o meu entendimento. De doença desgraçada, eu passo a ver o câncer como a doença que ensina. O sofrimento é surreal, sim. Mas participando um pouco dessa tristeza, olhando de fora, eu vejo e sinto o quanto ela transforma. Quem passa por ela, mesmo que não sobreviva, e quem está por perto.

Pode parecer cafonice espírita ou excesso de aceitação. Mas não estou falando sobre jogarmos a toalha. É sobre estarmos abertos a aprender. 

Este texto é sobre o exercício de estarmos e queremos estar sempre despreparados. Largar as armas do entendimento, a necessidade de definir algumas coias. Só assim iremos realmente ver, sentir, ouvir, conhecer e então aprender.

Hoje eu realmente só quero viver um feliz desaprendizado sobre as coisas que eu acho que sei.



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