Eu creio em Pandemia




A minha irmã não foi até a pequena festa de aniversário da minha mãe – feita entre mim, meu namorado, meu pai e a própria aniversariante – porque está grávida. Tudo por causa do corona-rolo. Tudo imposto pela Pandemia – que faço questão de escrever em maiúsculo, tamanho seu poder, tal como escrevemos Deus ou nosso Senhor.

De dois meses para cá, nosso jeito de viver até então, desapareceu – e junto com ele, lá se foi o álcool gel das prateleiras. Notícias, áudios, vídeos, notificações e posts transmitindo medo e insegurança. Ou seja, nos ajudando a adoecer em seus tons com pouco foco na prevenção e bem-estar, e mais atenção à linha assombração.

Apaguei meus aplicativos de notícias. Troquei a rádio CBN enquanto dirijo por uma playlist chamada Disney Hits! Enquanto contam mortos, eu canto músicas.

É importante, sim, acompanhar o cenário, não seja loka. Uma vez ao dia leio um site de jornalismo. Temos que nos cuidar e isso só é possível se filtrarmos tudo o que é dito. Do contrário, é como ser uma daquelas malucas-sem-noção que fazem todas as dietas que prometem emagrecer e todos os procedimentos cirúrgicos que juram melhorar suas fuça, tetas e barriga.

Precisamos ter moderação sobre o que chega e a quantidade que chega para termos controle sobre o impacto daquilo sobre nós, para termos simplesmente controle, inclusive, sobre nós mesmos.

Para quem não acredita em Deus, existe a Pandemia. Da mesma forma que o Senhor ou o Mistério ou o Universo, a Pandemia ensina. Cada um com seu método, claro, mas o ponto é que Eles – louvados sejam – nos empurram com a cara no problema e depois nos fazem olhar para nós mesmos. Eu sinceramente acredito em Pandemia. Sou devoto!

Graças à Santa Pandemia, eu passei a pedir marmita e almoçar em casa em vez de continuar comendo no restaurante na empresa. No começo pensei: “Nossa, eu poderia economizar esse dinheiro”. Mas pouco tempo depois vi o bem que isso me trouxe, pois geralmente o meu horário de almoço, em vez de descanso, era cheio de assunto de trabalho ou com pessoas com quem trabalho, trabalhando comigo também na minha digestão. Obrigado, oh Pand!

Em uma das voltas do almoço em casa, estacionei meu carro na empresa e vi um grupo de funcionários jogando dominó durante o intervalo no trabalho. Aquilo me fez tão bem! Foi como um lembrete do valor da simplicidade, da importância de vivermos com papel higiênico suficiente em vez de estocarmos e que, se vier a faltar, podemos lavar a bunda no chuveiro. Genial, né?

Até voltei a escrever! Cá estou, depois de quase um mês sem controle algum sobre minha rotina. A Pandemia nos mostra o caminho da disciplina para viver em consciência e bem-estar verdadeiros. Amém, Pand!

Claro que tudo tem seu preço. Pessoas morreram, outras doentes, muitas achando que estão doentes – não que elas precisem de um novo vírus para acharem isso todos os dias de suas vidas – e algumas vivendo de bar em bar não importa se tem Apocalipse ou se toca Calypso.

Anota aí: tudo ensina. Nem precisa de religião. O cara que bebe muito é avisado pelo exame no fígado. Se não reduz o consumo, é chamado atenção pelo médico. Se não para, talvez se envolva em uma infração de trânsito – depois de ter bebido, claro. Se ainda insiste, é de cirrose para a morte. Vai perguntar cadê Deus? Esteve aí o tempo todo... Em cada recadinho.

Chegou a Pandemia e hoje reparei que dirigi o tempo todo na faixa da direita da pista. De leve. Sem ultrapassar a velocidade, curtindo um som, celular no silencioso – e com a tela virada para baixo, para nem ver notificação piscar. Ano passado tomei quatro multas por velocidade – ano passado não tinha Pandemia.

O COVID-19 nos CONVID-A todo dia a olhar para nós mesmos e aos outros com mais carinho. Pais e mães foram empurrados para estarem com seus filhos, lidar com eles, conviver mais, conversar, orientar, inventar uma forma de conciliar o trabalho ao lado deles em home office. Maridos e esposas colocados para se encararem por mais tempo em casa, brigarem ou se amarem. Relacionamentos de todas as formas testados na mesma cama ou à distância para entendermos se eles nos acrescentam ou nos prejudicam. É como se a Pandemia avisasse em nossos ouvidos... “Viu como é possível resolver isso? Por que não fez antes, fofa?”.

Morrer não é ruim. Eu pelo menos nunca recebi um áudio no WhatsApp enviado por alguém morto dizendo que a morte não é boa. Fomos educados a colocar a morte como algo “negro”. Se vivemos para aprender a sermos melhores, a morte pode ser parte disso também.

Chico Xavier tinha um mantra: “Tudo passa”. Escrevia isso em vários lugares de sua casa para não se esquecer. Tudo passa. A Pandemia vai passar. O que teremos aprendido e quanto tempo vai durar esse aprendizado? Bom, de qualquer forma, me conforta saber que, quando, e se, esquecermos, novas Pandemias, Desastres Naturais e, quem sabe, uma Invasão Alienígena estão sempre prontos para entrar nesta grande sala de aula e retomar a nossa lição.

Comentários

Lucimara Souza disse…
Maravilhoso como sempre!
É... Talvez a humanidade precisasse de um breque para refletir mesmo.
Por outro lado, algumas pessoas escancararam seu lado mais egoísta e sórdido.
Além disso, as brigas por conta de divergência de opiniões, o mimimi e o bla bla bla em redes sociais me assustaram. Muita gente cheia de certezas e sem sabedoria alguma. Sem contar os aspirantes a "influenciadores digitais" do interior que foram tudo pra rede propor às autoridades medidas para salvar o mundo da pandemia! Ah... me poupe! Tem nem o Ensino Médio esse povo, mal lê e bota a cara na internet pra passar vergonha.
Eliminei várias figuras dessas do meu círculo de "amizade" virtual... Affff.
Só espero que isso tudo realmente passe logo.
Beijos, Matheus!
Saúde pra nós!
Oi,Luuuuu! Que delícia ter um comentário seu. Pois é... É o que as situações "limites" fazem: mostram nosso lado instintivo. Obrigado por ler e me contar. Você faz bem em selecionar mais as pessoas neste círculo. Saúde!