Vida oca





Troco vida loka por uma vida em oca para evitar uma vida oca.

Como em toda ocasião tida como “especial”, a Pandemia também trouxe novos comentários bobos entre as pessoas. Perguntas e frases prontas que costumam rolar em situações como Natal, Aniversário, Carnaval ou em qualquer encontro constrangedor com gente que não víamos - preferiríamos continuar sem ver - há tempos.

Como a quarentena, diminuíram as possibilidades de encontros que traziam os tais “Cadê o namoradinho?”, “E o casamento sai quando?” e o fabuloso “Não vão ter filhos?”. Mas como o ser humano é especialista em inutilizar a vida, criou o: “Vai tirar férias na Pandemia?”.

Deixa eu ajudar quem precisa, por não entenderem o significado de férias: “período de descanso a que têm direito: empregados, servidores públicos, estudantes etc., depois de passado um ano ou um semestre de trabalho ou de atividades”.

Férias são descanso. Não sai de férias quem já vive em férias – e não me venham dizer que dona de casa tem as tarefas do lar ou cuidar de filho e coisas do tipo porque isso todo mundo que tem casa e tem filho precisa fazer, tendo um emprego ou não, estudando ou não. Obrigado.

Estou em férias. Há dois dias. Ligo o celular uma vez ao dia. Dez minutos e ele volta para o seu também merecido descanso de tela preta e botão de menu sem acender o visor porque está desligado. Que delícia...

Antes de entrar na minha oca. Ouvi de duas pessoas ocas o novo comentário-mala que chegou nas nossas vidas com a mesma utilidade que o Tik Tok: nenhuma. “Nossa, mas vai tirar férias para fazer o que? Ficar em casa?”. Amo a minha casa. Minha pequena oca. Eu tenho a sorte de ter – não coisas, mas – o entendimento de saber que aqui não me falta nada.

Não sei se são o meu cabalístico 33 em 2020, mas, como eu disse, troquei a vida loka pela vida em oca. Jamais aguentaria uma vida oca, vazia, sem sabor. Mas o ponto é: de onde vem esse preenchimento do oco?

Eu amo viajar, conhecer o diferente, mas a Pandemia nos coloca dentro de casa. Esperar, esperar e esperar para “descansar” só se for para viajar, não precisa casar.

A gente também viaja em um livro, uma série, assistindo a um novo filme por dia, tomando um banho mesmo já estando limpo, só para notar como a água bate no meu rosto, sem o cansaço chamando a atenção para os meus ombros. Eu viajo em um sono sem as preocupações com a reunião ou com o despertador no outro dia.

Na minha oca eu tenho a mim, meus pensamentos, sentimentos, cheiros e visões de coisas que me causam tanto entusiasmo, cada uma com sua história e momento da minha vida, que muitas vezes passam batidas no meu dia a dia.

Tenho a sorte de ter o amor de outra pessoa neste mesmo nosso lugarzinho, o que aumenta tudo isso e me faz um bem que nenhuma alta do dólar chega nem perto de alcançar.

Quem me conhece sabe que eu sou do tipo que trabalho com o que amo e não vivo em função do carro do ano. Curto conhecer novos pratos, mas só o Elias e a minha mãe sabem a felicidade que eu fico quando tem macarrão com salsicha e bastaaante molho de tomate!

Se a nossa mesa tem seis lugares, eu teria seis pratos. Se algum quebrar, vem aquela hora gostosa de comprar um outro porque realmente precisamos e queremos. Essa renovação mais naturalzinha é boa demais! Viver e curtir o que cabe na oca em vez de consumir de uma forma loka tudo aquilo que faria da gente uma pessoa oca.

Meus livros têm que caber em mim. Minhas amigas que também curtem ler, se esbaldam com essa troca. Leio e passo para uma delas. Não precisa me devolver, não em livro.  

iFood é bom, mas iCansa, né? Facilitar é bom e improvisar é melhor ainda. Portanto, quebre as perguntas, as respostas e os pensamentos prontos.

Para quem quiser tentar entender, estas são minhas férias do mundo em um momento em que tudo muda e em que é importante nos conhecermos mais que nunca para entender o quanto é gostosa a certeza daquilo que é suficiente pra gente e que, por isso, não precisa ser diferente.



Comentários

Kiko disse…
Ótima reflexão! Quando li o título, sabia que iria vir coisa boa pelos jogos de palavras, e me surpreendeu o tema "férias na pandemia". Não tinha me tocado disso, mas, de fato, muitas pessoas que se encontram em situação de emprego estão "evitando" tirar férias agora para "não perdê-las". Vejo que pode ser um eco de esperança, esperança de que "tudo isso acabe logo" para voltar a viajar etc., mas nosso otimismo não pode nos cegar de que, independente de pandemia, precisamos descansar/ desligar-nos do trabalho por um tempo.

Boas férias!!!
Carol disse…
Ótima reflexão.
Precisamos aprender a estar bem conosco, com a nossa cia, e não na necessidade de seguir um padrão.
No começo do ano me deparei com férias (10 dias). Logo pensei: meu Deus, não posso viajar! É o efeito manada, o condicionamento do cérebro. Amo viajar e conhecer novos lugares, mas viajar em um livro, série e na minha família (com quem eu não passava mais de 3 dias junto há 4 anos) foi ótimo!
Super beijo e boas férias.
Oi, Kiko. Que bacana seu comentário aqui. Obrigado. Esse lance que vc falou sobre “não perder” é um dos maiores absurdos que vivemos, na minha opinião. Tudo tem que ser CURTIDO para fora, para os outros, repercutir, aparentar. Isso gera uma ansiedade ABSURDA nas pessoas porque nada pode aparentar “desperdício”. Beijão e apareça mais no Caneca.
Obrigado, Carol. Esse ponto da família foi excelente. A gente coloca agenda em cima de agenda e daqui a pouco até para conversar com suas mães, as pessoas vão precisar de INVITE hahaha. Beijo, lindona. Amei vc por aqui.