Preparo de amparo

 


A mãe de uma amiga se propôs a fazer sua feijoada para a nossa turma de amigos em um domingo, mas precisava de um incentivo para chegar à tal mobilização que tomaria seu dia de descanso.

Foi assim que um a um no grupo daquele aplicativo que hoje não sei se facilita ou tumultua a nossa vida, enviou mensagens de texto e de áudio suplicando por aquele prato, especialidade daquela mãe.

Mãe das poucas que restaram. Das poucas que cozinhariam para essa pequena comunidade que se ajuda tanto nesse dia a dia que nos tira os pais e as comidinhas preparadas por alguém com mais tempo de vida, que nos tira a orientação e o ânimo vez e outra.

Dias depois do atípico domingo delicioso, entendo o quanto nós, convidados para a feijoada, precisávamos mais do sabor do amparo que do feijão preto bem incrementado, da laranja descascada ou da farinha com vinagrete.

Precisamos do acompanhamento de colo para seguirmos alimentados com o arroz e feijão. Um pouquinho de amparo facilita qualquer digestão.

A marmitinha de feijoada entregue na despedida do domingo ocupa quase espaço nenhum em nosso congelador, mas aquece imensamente os nossos momentos de solidão.

Dá até dó de comer porque nos remete a dó que somos quando ficamos sem. Sem referência. Sem tempero. Sem um segundo prato fundo para servir o caldo acompanhados na companhia dos dias mais frios.

Com o passar do tempo e as perdas que vivemos, descubro o quanto a falta de ter a quem buscar nos adoece mais que a doença que nos coloca profundamente nessa carência.

Ninguém nasceu para estar sem alguém.

Tudo é junto. O um só funciona se contado a dois, dividido com três ou multiplicado por mais. Não se quebra essa regra.

Existimos para amparar e sermos amparados. Entender, se permitir e praticar essa troca já ajuda, porém, não soluciona. Afinal, a carência da companhia é autoimune. Pede remédio contínuo porque a necessidade de colo já nasceu com a gente e terminará com cada um em seu próprio leito.

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