Leitura | "Pena de vida", Ruy Castro



Eu sinceramente não entendi o motivo de tanta gente abismada com a pena de morte do traficante brasileiro executado este mês na Indonésia. Mais ouvi que comentei. E se eu tivesse escrito algo, definitivamente não teria feito melhor que Ruy Castro ao representar o que (eu mesmo - rrá) penso sobre o assunto. Leia a coluna "Pena de vida" publicada na Folha de S. Paulo.



PENA DE VIDA
Folha de S. Paulo | 21/01/2015

Por Ruy Castro

A execução do brasileiro Marco, condenado à morte por tráfico de drogas segundo leis constituídas de um Estado soberano, a Indonésia, provocou "consternação e indignação" na presidente Dilma. Consternação e indignação que não demonstrou diante dos estrangeiros degolados pelas leis de exceção de um não-Estado, o Estado Islâmico, com quem, para constrangimento internacional, ela propôs "dialogar". Houvesse um embaixador brasileiro junto aos degoladores, Dilma o teria chamado de volta?


Assim como não se pode ser a favor da pena de morte, vale perguntar se Dilma se consterna ou fica indignada pelas multidões de brasileiros condenados à pena de vida –haverá outra maneira de definir a situação dos habitantes das cracolândias? Se a presidente nunca passou perto desses aglomerados subumanos, existe um a menos de dois quilômetros do Palácio do Planalto, em Brasília, e com o número regulamentar de zumbis, estropiados, grávidas e crianças. Dilma deveria inspecioná-lo para ter uma amostra de como vivem pessoas afetadas pelo produto que Marco vendia na Indonésia e tantos vendem por aqui.

Uma alternativa seria visitar alguma clínica séria de tratamento de dependência química. Há várias no Rio, em São Paulo e, espero, em Brasília. Nelas, uma das primeiras lições é a da quebra da prepotência –a consciência de que se é impotente diante da droga e que a única saída é ficar longe dela.

Num áudio que circulou pela internet às vésperas da execução, Marco parece confiante de que será libertado e voltará ao Brasil para dizer "aos jovens" que a droga só leva "à prisão ou à morte". Ou seja, a longa prisão não o curara da prepotência –continuava a se sentir dono de seu destino e capaz de salvar toda uma geração com sua mensagem.

Que sua triste morte sirva ao menos de veículo para essa mensagem.





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