O programa do fim do semana incluiu o retorno de uma viagem a trabalho com chegada em minha casa às onze da noite, em plena sexta-feira, depois de um voo de uma hora e quarenta me revezando entre chupar gelo servido no copinho pela aeromoça em minha poltrona e ficar agachado no cubículo do banheiro do avião. Tudo para não vomitar. Tudo graças a uma infeliz intoxicação alimentar. E a comida era de um resort. E a comida que eu não aproveitei foi a do casamento da minha prima no dia seguinte, um charmoso sábado à noite bem desarranjado.
Sim, minha prima se casou. Sobrou uma outra. Mais nova. Já noiva. Logo vai também. Minha irmã já foi faz anos. Casou bem nova. E eu aqui.
No casório, além de não beber cerveja e ficar no altar imaginando como seria o banheiro da festa, afinal, ele seria o meu acompanhante, fui padrinho com a minha tia. A solteira. A única. Pois eu serei o próximo. Já sou, né? Somos, então.
Eu não guardo a idade dela, mas guardo que ela tem a mesma idade que a Xuxa porque ela comentou isso certa vez. Brinquei "Quando a minha tia casar, com quem eu vou entrar na igreja?". Porque ela e eu, os solteiros, jamais ficamos no banco de reservas na escala para padrinhos. Por pena, consideração ou falta de opção? Ao ouvir a brincadeira, minha tia respondeu: "Ele fala 'quando eu casar' para não falar 'quando eu morrer' e ele ficar aqui". Um murro na minha cara. Minha família é linda. E sincera.
Ainda na igreja, padrinhos a postos para entrar. Mulheres à esquerda. Casal de padrinhos da noiva inaugurando a fila, atrás um casal de padrinhos do noivo, então mais dois do lado da noiva, até completar os sei lá quanto padrinhos que são permitidos hoje.
Ao chegar ao altar, família da noiva vai para a esquerda. Decorei. Pronto para entrar. Diarreia e vômito controlados com um genérico de Floratil comprado horas antes e um litro de soro sabor Guaraná no estômago. Energia baixa. Mas vamos lá. Até que minha outra tia, mãe da noiva, chega fazendo beicinho e com o queixo pulando enquanto segurava o choro à porta da igreja. Nessa hora, a tia solteira agarra a irmã pelos dois braços como se fosse arrancá-los puxando-os para baixo e começa a repetir firmemente "Esse é um momento feliz. Para com isso. Esse é um momento de alegria. Não chora. Felicidade!". E eu naquela tristeza. Suando frio de cólicas. Só para constar, minha mãe é irmã das duas e estava poucos casais para atrás, plena, esperando O Seu Momento de entrar.
Finalmente entramos. "Entra. Posa para a foto. Segue para o altar. Entra para o banco do lado esquerda, na primeira fila", orientou bem pausadamente a cerimonialista como se eu tivesse algum atraso mental. Lá vamos nós. Teclado tocando. Música de igreja católica que todo mundo conhece, até umbandistas, budistas e espíritas sabem a letra, e eu não.
Ao cruzar a linha de chegada do altar, o cantor era um cara com quem saí uma vez, há três anos. Jantar de comida japonesa e um beijo sem jeito no carro. Olhei para o Cristo enorme pendurado à minha frente, senti um blu-blou-bló de desarranjo no estômago, me vi ali com a minha tia solteira, meu parzinho de solteirice na família e local santo, e mandei a minha palavra da salvação: glória a vós, senhor!
Dizem "sim". Alianças. Beija a noiva. Abraça os recém-casados desejando tudo de bom e segurando a emoção no altar. Joga arroz na porta da igreja. Partiu festa.
Eu chego antes que meus pais, irmã e cunhado. Claro. Sempre. Estreio o banheiro. Volto para o salão e escolho a mesa para a família em meio a algumas vazias e muitas outras reservadas enquanto, adivinhem, casais, guardam o lugar para outros casais que provavelmente estão indo para a festa seguindo algum casal para saber chegar ao local.
Suco. Água. Agora suco de novo. Me vê um guaraná? Meu copo viu cores, não viu álcool. Até o padre estava na festa. Foi a primeira vez que vi isso. E deve ter bebido. Não vi. Mas não duvido.
Dando tudo o que eu tinha para aguentar a minha barriga e permanecer um pouco ali com a turma, vem o cantor-ex-crush-de-potência-vocal-alta-para-o-ALELUIA. "Ooooiii... Como vocês está?". Ainda naquela empresa? Ainda escrevendo para o blog?... Tudo para, obviamente, chegar ao "Está namorando?". Eu? Não. Sem "no momento, não" ou "terminei há um ano" ou "imagina, meu negócio é curtir, cara! Toca aqui, véi!".
O meu "E você?" saiu assim como sairia algo perna abaixo de mim se eu tossisse. Involuntário. "Ah, eu estou! Olha ali o meu boy", e apontou para o tal cara, todo animadão.
Enquanto me dava um abraço demorado de carinho pelo contato que tivemos à época, o namorado vinha até ali e esperou atrás da gente até terminar a despedida para então começar uma apresentativa-receptiva por parte da segunda metade daquela laranja. Então pensei outra vez no Cristo enorme pendurado na igreja, me olhando, e orei: senhor, escutai as nossas preces.
E se nessa altura da noite pedissem para eu fazer aquela tal proclamação do evangelho que é passada de dedo na testa, na boca e no peito em formato de cruz na sequência de cruz, eu abriria uma tequila e viraria sozinho. Sentado na privada da minha casa, claro.
~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D|
Compartilhe pelo WhatsApp
Ao acessar o Caneca pelo celular, compartilhe este texto com seus amigos. É só clicar na descrição abaixo.
~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D| ~D|
Comentários
Ao mesmo tempo que soa libertador, bate um ar de desespero...
Sejamos realistas ninguém quer terminar sozinho! Fomos feitos para o Amor. Essa ainda continua sendo uma de minhas filosofias. Mas calma, também enxergo o desencontro de opiniões no ponto em que as pessoas não sabem ou não querem respeitar seu tempo. E isso gera confusão! A Vida, a qual estamos fazendo passagem se desenvolve em ciclos, quando um se encerra da inicio a um novo, ou a um recomeço.
Hora ou outra vivenciarmos cada um deles, a durabilidade e absorção de valores, experiências e conhecimento depende apenas de nós!
O que muitos desconhecem, e a experiencia com o equilíbrio, que se faz necessidade para podermos enxergar e encontrar o melhor de nos sempre... Em um relacionamento não é diferente, porém alem de equilíbrio para ser eterno deve haver reciprocidade! Característica inexistente em um coração que abre suas portas para o egoismo. Freqüência alta na atualidade!
Texto e história excelentes meu caro! Parabéns!
L.F.