Era aniversário de seis anos do Du e a mãe dele fazia o melhor cachorro-quente de festa de toda a rua. Naqueles mini-pães de leite, sabe? Bom demais! Na noite da comemoração que reuniu toda a molecada do quarteirão, eu, aos sete anos, esperava sentado no sofá da sala da casa do Du até que a mãe dele passasse com a assadeira lotada oferecendo os hot dogs. Nada de ficar em volta da Angélica - a mãe do Du - perguntando se faltava muito para ficar pronto ou se já poderia ir comendo o que ela já tinha preparado. Coisas que a maioria das outras crianças faziam desnorteadas.
"Na casa dos outros você não pede nada. Tem que esperar te oferecer e aí você pega". A dica é da minha mãe, a Bete. Como diz uma amiga que seu jeito mineiro de ser, eu era "ensaiado" antes de sair de casa. "No restaurante, não é para ficar correndo no meio das mesas, nem engatinhando embaixo delas. Se os filhos dos outros agirem assim, você fica ali sentado com a gente e deixa que eles são problema dos pais deles". Essa é outra que me lembro bem. E assim foi. E assim é.
Uma da frases que mais ouvi na minha infância foi "O Matheusinho é tão educado. Menino de ouro, viu, Bete?!". Para o agrado da minha mãe - e meu - e ranço dos outro moleques da rua... Hahaha.
Aos 32 anos, a educação que ela me deu, continua com tudo. No trabalho, com os amigos e até nos encontros primeiro e poucos encontros com os fofos que a vida como solteiro me apresenta. O que derruba com a cartilha da Bete é a minha impaciência. Mas aí não é culpa dela e sim das outras mães sem-noção que geraram alguns sem-noções ou simplesmente desse sem-noções que nunca respeitaram suas boas mães. Difícil afirmar.
Mas posso dizer com certeza que meu humor vem dela. Quem conhece sabe. A Bete é gentil e ácida nas piadas. Eu amo. Eu me borro de rir. Sua criatividade não descansa um minuto. Nem a minha.
Ela segura a onda e reclama quase nada. Isso eu ainda posso melhorar me inspirando nela. A Bete adora um chope. Cerveja? Só Skol. E isso eu também posso me inspirar nela, só que para eu beber menos. Ela bebe na dose dela, do jeito dela, no copo dela - que nunca pode estar cheio, afinal, esquenta. Se beber com ela, sirva somente até a metade. vai por mim.
Desde que me mudei para a minha casa e minha irmã para a dela, nos reunimos com meus pais toda sexta-feira. É o nosso Betefriday! O happy hour na casa dela ou em algum boteco que sirva chope em dobro.
Trabalhou, trabalhou. Aposentou. Mais de vinte anos no mesmo lugar. Não pirou lá. Nem deprimiu aqui. Criou sua rotina, vai atrás das suas coisas. Todos os dias. Do Sumarezinho ao Centro de Ribeirão Preto, vai e volta a pé. Mais de uma vez ao dia, se ela lembrar de algo que quer ver ou criar em suas confecções e pirações.
Descobriu a Netflix. Está revendo Game of Thrones. E fuça em tudo. Ela sabe das coisas antes mesmo de mim e da minha irmã. Aplicativos, notícias, tendências, memes. Mas não enche ninguém de bobeiras no WhatsApp. O bom senso que ela ensina, começa por ela mesma.
Me ajuda em tudo o que pode. À minha irmã também. Leva meu pai na rédea curta. Nunca relaxou em nenhum desses pontos, em todos esses anos. Nem com a gente.
Corrigiu sempre. Apanhei de chinelo, de unhadas, de cabide, de escova de cabelo e uma vez (quase) foi com o rodo. Ela jura que só me ameaçava para eu correr, mas que não iria me acertar. Hoje eu confio. Na época, não arriscaria descobrir.
Mas eu era terrível. Quando bebê, ela conta que eu chorava sem parar. Era de benzedeira a galho de arruda embaixo do meu travesseiro par ver se algo resolvia.
Eu vivia com a garanta infeccionada. Ou o ouvido. Teve a fase de tentar a homeopatia. Enquanto eu brincava na rua, ela abria o portão cinza de ferro da nossa casa, olhava para o rumo onde eu estava e berrava bem alto, "MATHEEEEEEEEUS...". Meus amigos todas as vezes soltavam: "Matheus, sua mãe está te chamando". Como se eu - e todo o bairro Avelino Palma - já não tivesse percebido isso. Era para eu tomar as bolinhas da homeopatia. Ou uma colher de Biotônico Fontoura com sucupira. Ela tentava de tudo. E acordava bem cedo. Entrava para trabalhar às sete da manhã e quando ela estava pronta esperando no carro enquanto meu pai voltava para usar o banheiro, morria de medo de perder o "prêmio" - um tipo de bônus pago com o salário pela pontualidade dos funcionários.
Sobre eu acordar, cedo, "Eu vou te chamar uma vez e você precisa levantar". Ela abria a porta e lá vinha um "Matheus, está na hora". Deixava a luz acesa. Era minha responsabilidade levantar e me arrumar para a escola. O mesmo com o meu leite com achocolatado. Quando muito pequeno, ela fazia e deixava sobre a pia para eu chegar, misturar e beber. Depois, "você levanta e faz o seu leite". Quando comecei a trabalhar, despertador. Se vira.
Me torturou para eu começar a estudar inglês. Aos nove anos. Estamos falando de 1996. Ainda era tendência. Hoje é obrigação. Eu odiava. Hoje agradeço.
Tirar carteira de motorista? "Você precisa começar a trabalhar para juntar dinheiro para isso. É melhor você já tirar de moto também porque pode aparecer algum emprego que precise. Assim eu fiz. Reprovei. Eu mesmo paguei.
"Por que você não faz um curso nisso? Por que não faz um consórcio para ir tendo um dinheiro e não gastar tudo? O pai e mãe não têm dinheiro para te pagar cursinho ou faculdade, mas a gente te dá todo o resto que precisar para você fazer, se quiser". Aqui estou, jornalista. Coordenador de Marketing. Comprei meu carrinho e o meu cantinho.
Hoje não me cobra nada. A troca é espontânea. Sempre sabe onde estou. Não é dar satisfação, é ter consideração.
Além do humor, eu destacaria o ponto de a Bete não se fazer de vítima. Quando eu nasci, meus avós se ofereceram para ficarem comigo o dia todo. Ela não achou justo ocupá-los com isso. "Deixa o menino com a gente, Elisabete!". Ela topou no máximo meio período. No outro, eu ia para o berçário.
A minha mãe não sabe, mas, às vezes, enquanto estamos conversando, eu estou reparando em cada detalhe dela. Acho graça do seu jeito com as mãos, os termos que ela usa, as palavras que ela mesma inventa, coisas que ela "incrementa" nas suas roupas... Tudo muito consciente de quem ela é, como ela é e o que ela me ofereceu na formação e presenteia todos os dias.
Hoje é aniversário dela e a única coisa que eu desejo são novos dias para ela e com ela, a Bete, minha mãe.
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Comentários
Hoje sou uma mulher a beira dos 30 e só hoje tenho condições de enxergar real quem foram essas mulheres pra mim. Duas guerreiras, duas santas porque não é fácil me amar de verdade. Eu sou abençoada. Tenho duas mães. Dependendo da situação eu corro pra uma ou pra outra. Hoje eu olho para quem eu sou e volto 15 anos atrás para lembrar como elas eram e como reagiam a vida difícil que levaram e levam até hoje, a luta continua. A menina que brigava, qie sempre foi do contra e a ovelha negra da família, hoje olha para elas com um olhar de aprovação, de admiração, de respeito e muito amor. Eu não teria suportado tudo que elas passaram por amor a mim e meus irmãos. Me envergonho de ter apontado o dedo podre para elas tantas vezes. Quem sou eu? Te contei tudo isso porque no seu jeito de olhar a Bete tocou meu coração, pois hoje eu tenho condições de olhar a Dri e a Te e admirar sem criticar ou julgar e só agradecer. Olho para elas e meus olhos brilham de novo assim como quando eu era uma menininha e admirava aquelas duas super mulheres. Meu ego de adolescente e até uns aninhos atrás me cegaram e eu no auge da minha vaidade ousei tantas vezes julgar. Mulher feita que sou hoje, vivo um momento santo com elas. Onde família é prioridade. Onde exergo que o alicerce da casa é a mãe. E tenho maior orgulho de ser cria dessas duas malucas. Elas já não tem muitas das características que citei no começo e os tempos são outros. A vida bateu demais nelas. Assim como nós, elas vivem mais ciclo e eu fico é ligeira observando como elas lidam com a adversidade de coisas hoje. Continua difícil estar na pele delas é tem hora que até parece que a vida sofrida é regra dessa geração anos 70. Mas elas persistem batalhando, sendo fortes e corajosas, cuidando da família e principalmente da gente, os filhos. Dobram joelhos e abraçam a qualquer hora. Nossa... A sensação de felicidade é parte de mim agora e a gratidão nem se fala. Tudo que eu mais busco hoje é ser amiga dessas duas mulheres, não que não sejamos, mas quero transcender a relação de mães e filha. Quero ter tempo de qualidade com elas. Diferente de quando era nova e vivia correndo delas, pois nunca aceitei pitaco na minha vida independente de filha mais velha de 9 irmãos.