Enquanto tudo passa

Quem passa apertado por não saber se a mensagem foi lida no WhatsApp ou por não ter ideia de qual foi o último acesso da pessoa por ela ter tirado a última visualização do app, não imagina como era no auge do uso do SMS - ou já se esqueceu.

Era difícil saber se a pessoa recebeu - a menos que você telefonasse na sequência para saber se o celular tocaria do outro lado ou iria para caixa postal, como desligado ou fora de área. Saber se leu o recado? Impossível.

Enquanto eu passava por um desses momentos de envio de SMS e telefone que chamava mas não atendia as minhas ligações, resolvi dormir no carro estacionado na frente do prédio de uma paixão que vivi até que ele acordasse no outro dia e pudesse ver o quanto eu queria ficar com ele. Tínhamos praticamente o fim de semana apenas para ficarmos juntos, por isso o esforço, a vontade, a falta de filtro.

Neste episódio, ele acordou no outro dia, viu toda a minha dedicação e respondeu pedindo para eu subir para o apartamento dele, enquanto me dava palestra sobre o que eu fiz e o quão desnecessário era. Mas eu não me importava.

Em outro momento, conheci um fofo na balada. Batemos papo. Veio o beijo. Dormimos juntos em um motel bem vagabundo de lençóis que cheiram a água sanitária e no outro dia ainda o levei para casa. Em outra cidade, que até então nunca havia visitado. Liguei para uma amiga no caminho de volta e ela não acreditava que lá estava eu me apaixonando a ponto de dar carona com cobertura regional.

Entre essas e outras, parei em casa de amiga para poder carregar celular e não perder a mensagem que - talvez eu nem - receberia e mais algumas ausências de autocontrole que há muito tempo não se repetem por alguém.

Acontece que esta semana algo derrubou o antivírus que bloqueava essas memórias e, mais que isso, me fez sentir a ansiedade que senti enquanto aguardava naquele carro durante a madrugada na rua, me fez lembrar que me perdi ao levar a tal pessoa recém-chegada em minha vida até a outra cidade e que rimos demais disso enquanto ele dizia que não sabia o caminho. O empurrão veio dela e dele, Sandy e Junior, em um palco maravilhoso, com uma seleção de repertório ainda mais maravilhosa, com letras cantadas nos anos noventa e em um ano dois mil que eu nem imaginaria se aproximar dos dois mil mais vinte.

O show terminou e minha cabeça doía de tanto chorar. Sabe quando a gente passa por algo muito triste e chora, chora e depois caímos no sono de tanto cansaço? Por aquele esgotamento emocional? A dupla me deixou assim, porém, pura e completamente pela euforia que me causou.

Dias depois desse turbilhão, vim pensando no motivo de eu ter ficado daquele jeito enquanto via os rostos dos dois irmãos, aquelas luzes e versões maduras de músicas de amores juvenis. Mais que a nostalgia, o que aconteceu foi que eu voltei a um Matheus que eu simplesmente não me recordava mais, que chora e que, principalmente, se entrega ao outro.

Minha primeira paixão foi por um menina que morava na mesma rua que a minha avó. Eu tinha sete anos. Chegava da escola correndo, almoçava correndo, tudo para dar tempo de correr de volta até o portão da rua e, pelo lado de dentro das grades, ficar parado ali esperando ela passar de carro a caminho da escola.

Eu estudava de manhã, ela à tarde. O carro da sua mãe era cinza. Ela ia sentada no banco de traz, cabelo castanho claro, uniforme branco, tiara segurando o cabelo e então lá vinha ela, sorrindo e olhando para o meu portão pronta para - mais uma vez - me ver abanando a mão para ela e então acenar de volta para mim.

Ela foi meu primeiro beijo de suar as mãos. Estávamos em uma "brinca" - nome dado para as festas nas casas de amigos ao longo dos anos noventa. Eu chamei até a calçada da casa. Ficamos conversando. Eu a encostei no muro com as mãos em sua cintura e então veio aquele beijo com duas línguas meio desnorteadas acho estranho e achando bom...

Vinte e cinco anos depois, naquele estádio em São Paulo, enquanto milhares de pessoas cantavam "Às vezes me pergunto si, eu viverei sem ter você...", naturalmente pensamos em amores passados, mas, em mim, a pergunta cai com um saborzinho agridoce ao me fazer pensar se eu viverei sem o que o vivi.

Comigo, confesso que o espaço para amar alguém perdeu força depois de algumas experiências e mais ainda pela frustração de sair com pessoas que te tiram mais do que te oferecem. Então, passei a me dedicar a mim, fazer por mim, estar comigo. Salvo amigos e familiares, nada além de mim e o que me faz bem.

Aquela emoção toda foi porque os fogos no encerramento do show da turnê chamada de Nossa História estouraram a blindagem que até então abafava esse turu turu turu aqui dentro, que fazia turu turu enquanto a Minha História passa.

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