Era
noite. Pelo menos na minha cabeça. Meu pai dirigia, minha mãe no passageiro e
meu lugar no carro era o banco de trás, sentado bem entre os bancos da frente,
de onde eu via a orelha esquerda da minha mãe e a orelha direita do meu pai. O
rádio estava desligado, diferente da maioria dos dias quando voltávamos para
casa.
Tudo
bem quieto. Foi então que meu pai falou algo. Disse que ele “e a mãe” iam se
separar, mas que seriam sempre meus pais, emendando a pergunta: “com quem você
quer ficar?”.
Eu
tinha seis anos.
Me
lembro de não ficar triste ou chocado, apenas de responder: “com a mãe”. E aí a
finalização de que de qualquer forma eu teria também “o pai”. Dali para a
frente eles ficaram poucos meses separados, pelo jeito tiveram uma boa
“coisada” de reconciliação – imagino eu como adulto que sou hoje e
possibilidades de reatar que entendo hoje - e em pouco tempo estavam juntos
outra vez. Então minha mãe engravidou da minha irmã e aqui estão, aos 30 anos
de casados.
O
meu ponto para lembrar e compartilhar esse momento é que hoje eu vejo o quanto
é preciso ser sincero, transparente, coerente e realista para conduzir um
divórcio.
Não
estou falando de separação, de dar um tempo, brigas ou aquele rancoroso “nunca
mais quero te ver” que faz tudo sumir. Puuf! Nunca existiu.
Se
divorciar é entender e encarar. Mudar sem ignorar. Exige maturidade,
característica que eu imaginei que viria naturalmente para a gente com o passar
do tempo, mas que se fosse vendida em market place não precisaria nem de Black
Friday para esgotar, pois está cada vez mais rara de se encontrar.
Separação
é arrancar o band-aid. Divórcio é tirar o nozinho com tesourinha cirúrgica em
cada ponto dado para fechar aquele corte. É preciso um grau de consciência
absurdo.
Na
série “Divorce.”, da HBO, a protagonista de Sarah Jessica Parker (amo!) tem um
caso fora do casamento (não amo!) que dá início ao processo todo do divórcio sobre
o casal com dois filhos adolescentes e vinte anos de história juntos. Enquanto
a primeira temporada conta o ocorrido e os primeiros passos dessa digestão, a
segunda (e melhor!) parte mostra as experiências de cada um (tentando...)
seguir a sua vida. A série termina na terceira temporada. Recomendo.
A
comédia tem um bom tanto de realidade que me levou ao drama do entendimento da
burocracia de algumas relações que nos cobram, no mínimo, a tal maturidade para
sabermos lidar com aquilo como parte do nosso passado, presente e do nosso
futuro porque, de novo, não estou falando de rompimentos, mas de nos
divorciarmos, conversarmos com nós mesmos, com o outro, lidarmos.
Se
olharmos para nossas ligações ao longo da vida e não considerarmos somente
romances, quantas vezes já passamos por algum tipo de divórcio?
Nunca
é de repente, mas é o que dizem para não assumirem a culpa: a relação esfriou.
O brilho sumiu, a vontade parece que nunca existiu e é preciso o entendimento
de tudo o que aquilo envolve para só assim compreendermos que é preciso se
divorciar. Pode ser uma amizade, um emprego, a relação com um familiar, até a
troca de um carro... “Tudo bem, isso não está mais funcionando para mim, vamos
ser sinceros com nós mesmos e resolver isso juntos”. Vida que segue e a pessoa
ou aquilo será sempre parte dela.
Há
algumas semanas eu senti que meu namorado queria se divorciar... Da gata dele.
Ela
começou a ficar muito exigente, nada agradava, tinha que ser tudo do jeito
dela, fez pirraça e ele chegou a cogitar que aquela relação não iria durar muito.
Depois disso, de entender o que não estava funcionando, ele decidiu que seria
melhor passar menos tempo com ela. Hoje, os dois chegaram a um momento de amor,
que, quando se vêm, prevalece o carinho e nenhum faz mal ao outro. Não parece
mas até os gatos podem ser maduros, viu? Quem diria.
Porém
nem tudo ou todos são. Tem muito beicinho, birra e preguiça usados de
artimanhas para dizer que a relação funciona. Covardia.
Nem
a morte é corajosa o bastante para lidar com um divórcio. Ela vem e separa, uma
imatura que não sabe brincar nem explicar os seus pontos em uma conversa entre
verdadeiros adultos.
Divórcio
é pagar à prestação, boleto a boleto de um carnê que pode variar muito no
volume de páginas com códigos que são barra de ler e entender. Difícil quitar
de uma só vez. Impossível sair dessa devendo.
Se
divorciar de algo ou alguém é o começo de um futuro que não exclui o seu
passado. É a consolidação da capacidade de se conhecer sem perder o respeito
pelo outro ser.
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