Beleza sem dureza

Foi a primeira vez que aconteceu. Eu, em frente ao espelho do quarto, grande, comprido, do tipo corpo inteiro – mas que corta os meus pés na foto do look que eu um dia postei. Olhei e estranhei.

Mudei e... De novo. Agora pior. Devia ser a luz, não é possível, porque no espelho do banheiro ficou ainda mais difícil de me encarar. Eu me senti feio.

Não foi caso de estar inchado ou qualquer outra coisa que parecia passar. Lembrei que não menstruo. Então não tinha desculpa. Eu me vi naturalmente feio.

Pela primeira vez em 33 anos. Dá para ver que autoestima nunca foi um problema, né? Deve ser o três depois do três da idade em um ano que é vinte seguido de vinte num cenário em que estamos vivendo eita atrás de vixi.

Naquele espelho que parecia aumentar a mina fuça de um jeito que eu nunca tinha notado enquanto escovava os dentes, eu via a minha pele marcada, umas bolinhas perto do olho e na lateral do nariz. Nível bruxa velha que entrega maçã envenenada para a tonta que foge do castelo para ser faxineira de sete homens.

E mais! Tinha um fio de cabelo na minha testa! Bem para baixo de onde começa a crescer todo o cabelo, sabe? Um fio longo no maior estilo “dormi sem isso, acordei com tudo isso”. Arranquei sem pinça, sem piscar. O que é isso, gente?!

O fio desproporcional e deslocado me fez lembrar imediatamente de um colega que já foi eleito o Garoto Colegial da Escola – que continua bonito, mas – que agora, na casa dos quarenta, tem os pelos do nariz e da orelha brotando do crânio para dar oi para quem estiver por perto, como samambaias orgulhosas pela exposição à luz.

Corri os olhos para minhas narinas – largas, sim, muito – e vi que tudo estava bem introvertido por ali – por enquanto. Nada de pelos pra fora. O mesmo nas minhas orelhas que pendem para a frente graças ao cross fit diário praticado com os elásticos da máscara. Menos mal. Mas ainda mal.

Depois dessa análise traumática que durou três segundos e me envelheceu mais trinta anos, voltei para o quarto, corri para o grupo das amigas no whatsapp e soltei: “Gente, estou me sentindo feio”. Vindo de mim, devem ter achado que o meu celular foi clonado como quem envia mensagem dizendo que precisa que você faça uma transferência bancária para a conta de alguém que você nunca ouviu falar.

Uma respondeu que eu estava lindo. Outra enviou o mesmo junto ao “sempre te achei”. Enquanto a terceira deve ter tido uma entidade encostando nela enquanto digitava, que a fez dizer que estamos passando por um momento – cósmico, penso - em que todos nós começamos a enxergar quem nós somos de verdade. Bruxa. Ela por me dizer. Eu pela aparência.

Durou dias. Talvez dez. Depois disso, além de um bom sabonete de rosto roubado entre os cosméticos de Eláiaz – meu marido que, se for pai comigo, será só de cachorro -, passei a limpar também o meu jeito de ver algumas coisas como no trabalho, na rotina de casa, na família, nas amizades.

Dobrei a meditação. Sem medicação. Mantenho a terapia. Entrei para a academia. Mas, principalmente, passei a ver as atitudes de algumas pessoas como as tais bolinhas que vi grudadas no meu rosto. Desde então, aqui não. Precisa ver como estou lindo de novo.

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