Teve uma vez...


Teve uma vez que minha vó me mandou ao mercado e pediu para eu comprar almeirão para ela dar para os periquitos que ela tinha, eu comprei acelga.

Outra vez ela pediu para eu comprar rúcula, resolvi perguntar para o moço que arrumava as verduras para eu não errar de novo, mas perguntei qual era o almeirão. Levei almeirão em vez de rúcula.

Toda tarde minha vó me mandava ir à padaria comprar pão para ela tomar café. Eram dez por R$ 1. Se ela me dava R$ 10 e eu trazia os R$ 9 de troco, ela falava que eu não servia nem para escolher um doce pra mim com o troco. Se eu gastava R$ 1 em pão e R$ 9 em doce, ela me perguntava quando ia começar a trabalhar para não gastar todo o dinheiro dela.

Uma vez um moleque brigou comigo na rua e quando foi me dar um chute a perna dele foi tão alto que a que estava no chão escorregou com a areia que tinha na sarjeta e ele caiu de cabeça. Logo ele levantou, mas nunca mais me viu.

Outra vez um outro, sentado atrás de mim na sala de aula, me deu um tapa na nuca. Eu virei e enfiei a ponta do meu lápis na mão dele. O lápis voltou. A ponta não.

Teve uma vez que minha mãe pediu para eu mentir a idade no ônibus para enganar o cobrador. Ela mandou eu pular a roleta. Eu me arrastei no chão por baixo da roleta. Ela não entende até hoje. Nem eu.

Uma vez não tinha mais como enganar o cobrador, ela me deu o passe para eu colocar na máquina e passar na roleta. Eu coloquei o passe. A máquina engoliu. Eu girei a roleta e não passei. Ela não entende até hoje. Nem eu.

Quando eu tinha febre minha mãe colocava novalgina em gotas numa colher e me dava. Eu vomitava. Depois ela começou a colocar açúcar para melhorar o gosto. Eu vomitava e sou pré-diabético.

Um dia minha mãe fez suco de tomate com cenoura e me deu falando que era de laranja. Experimentei e não gostei. Na próxima colocou a cenoura com a própria laranja. Biquei e não gostei. Hoje se ela me oferece Fanta eu não pego.

Depois de ver meu vô fazendo a barba com um objeto de plástico amarelo, eu esperei ele acabar e fui escondido ver o que era. Mexi e cortei o dedão na gilete. Me escondi atrás da máquina de costura da minha vó até parar de sangrar. Ninguém soube. Um dia minha prima chegou da escola sem as duas sobrancelhas. Ela mesma raspou escondida e falou que foi um cara que fiz isso com ela na hora do recreio. Minha prima é mais corajosa que eu e minha tia está passando mal até hoje.

Um dia senti um caroço na minha teta e achei que fosse câncer de mama. Depois senti na outra e comecei a viver como se me restassem poucos dias.

Semana passada coloquei o celular para despertar mais cedo para eu meditar e me equilibrar antes do trabalho, espirrei o Bom-ar do banheiro no sovaco em vez de desodorante. Trabalhei cheirando canela com maçã.

Teve uma vez que uma amiga começou a engasgar na minha frente, fui ajudar e ela virou pra mim me pegando com força pelos braços e gritando com uma voz grossa “CADÊ MINHA FILHA!?”. Foi possuída pelo espírito de um pai. E eu uso fralda toda vez que vou encontrar com ela.

Um dia entrei na Vivara e escolhi um anel rosé da nova linha da Gisele Bündchen. A atendente disse que minha namorada ia adorar. Era pra mim.


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