Vinte



É melhor dizer logo que este não é mais um texto sobre 2020 porque acho que os grupos da família no WhatsApp e algumas pessoas nas redes sociais já cumprem o papel de lembrete em looping sobre o assunto. Acontece que estava lendo um livro em que os primeiros personagens apresentados são um casal na faixa dos vinte anos e que, para os meus vinte anos, já achei esses dois um tanto maduros e bem sucedidos emocionalmente.

Na história, o que já me despertou para este texto é que o casal de vinte e poucos se conhece na fila de um restaurante, ambos indo sozinhos para encontrar algum outro amigo – também na casa dos vinte e frequentadores de restaurante (não é bar, nem balada ou casa de amigos, menos ainda uma lanchonete... É restaurante, daqueles que tem que reservar mesa).

Quatro meses depois, eles planejam e fazem sua primeira viagem juntos – não para um acampamento, de moto ou de carona com amigos como o clichê da juventude – mas aquele tipo de viagem exótica de pacificação espiritual e, claro, internacional.

Então fiquei pensando... Será que eu fui muito desnorteado aos vinte e poucos ou algumas situações como a do início desse livro tendem a acontecer realmente só depois dos trinta?

Em vez de restaurante, a única reserva que eu fazia era a do dinheiro para pagar o ônibus para trabalhar. Planejar algo no namoro era alugar filme em DVD, às vezes ir ao cinema. Quando com amigos, era na casa de um deles, bebendo um vinho que custava cinco reais à época – se chamava Chapinha, existe até hoje e pode ser comprado por quinze reais, não experimente.

Aos 34 anos comemorados há menos de quinze dias, eu vejo que somente HOJE uma situação como a desse casal do livro seria emocionalmente compatível comigo. Antes disso, é como se eu tivesse vivido uma avalanche de experiências que me trouxeram até aqui, mas que não faziam muito sentido à época, como pede a maturidade de quem frequenta restaurantes com mesas reservadas.

Do ponto de vista de relacionamentos: um caos. Apaixonados, intensos, caóticos e às vezes traumáticos, como pedem as tentativas de formação de casais com vinte e poucos anos.

Pais interferiam um tanto, o dinheiro era bem menor que esse tanto, o emocional tomava conta e o racional se escondia num canto.

O grau de ciúme ameaça a saúde mental – e até física (é cada gente louca...) - do casal.

Não que a gente se torne Gandhi depois dos trinta, mas, no mínimo, a gente já conhece um floral sublingual para ajudar naquele autocontrole sobre querer fuçar no celular do outro ou sair no tapa com cada ex do atual que cruzar com a gente no shopping.

Lembro de postar uma foto à meia-noite e um minuto quando passei dos vinte e nove para os trinta anos, e de uma amiga comentar que “você vai ver que a sua melhor fase vai começar agora”.

Não sei se ela copiava e mandava a mensagem para todos os aniversariantes do dia, mas foi realmente simbólico para mim porque tudo melhorou depois dos trinta.

E não falo da parte de grana, apesar de eu viver com independência e conforto, mas posso afirmar, principalmente, sobre nossa ansiedade, inquietação e outras coisas que, em desiquilíbrio como quando aos vinte, nos fariam um mal surreal. Mesmo o assunto dinheiro começa a não ser o objetivo da nossa vida.

Dos vinte para os trinta, posso dizer que mudei de me apaixonar para passar a amar. De cheio de razão, para um aluno que reconhece ter quase nenhuma noção de tudo o que envolve a vida. Você troca ser um ás, para ter um pouco mais de paz.

Sobre o livro, vou continuar a leitura e olhar com esse coração que a maturidade me trouxe. Vou mais curtir que julgar. E com base nessa minha nova forma de amar, até acreditar que podem ter casais de vinte e poucos que se conhecem em filas de reservas de restaurante da mesma forma que em ônibus, ouvindo Molejo ou Maysa, dividindo lagosta ou uma pizza.


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