Larga a mala

 

Cheguei em Paris. Minha mala, não. A aflição durou pouco mais de uma hora por eu estar em um aeroporto da França às 23h e não ter com quem conversar sobre a minha bagagem extraviada. Preenchi um formulário online dando queixa e cruzei a porta do terminal rumo à rua.

Ao ouvir o primeiro francês me chamar de "monsieur" junto de um "bonsoir" para me oferecer um táxi, eu sequer lembrava da mala. Pouco a pouco, ela foi sumindo dos meus pensamentos ao longo da viagem, da mesma forma que ela foi se afastando de mim em algum lugar do mundo - a menos que ela volte, surpreendentemente. Mas não espero por ela.

Eu estava em Paris. Na mala que se foi, algumas roupas, um sapatênis, chinelos, um óculos escuro e power bank. Nada de valor para mim.

Passei os próximos 11 dias com 4 camisetas, 2 shorts, 2 calças, 3 meias e 4 cuecas. Onde se tem lavanderia, roupa suja não é problema. Onde se tem curiosidade pela vida, perder mala não é problema.

Um dia antes, despachei a mala. No dia seguinte, larguei mão dela.

Lá se foram peças que eu mal me lembro. Um preço ridículo pago para viver a vista que tive de Paris, em cima da Torre Eiffel, para ter as conversas que tive, olho no olho, com uma das minhas melhores amigas ao longo daqueles dias.

No Instagram, meu direct lotou de gente inconformada pela perda da mala. "Eu estaria em pânico!". Se não fossem as mensagens, eu já nem lembrava dela.

Nas fotos por Paris e Amsterdã, minhas camisetas e shorts se repetiam e as paisagens, não. Por baixo deles, as cuecas trabalhavam em escala 12 por 36 enquanto eu conhecia um pouco do jeito de ser por baixo dos atendimentos de franceses e holandeses.

Mala? Que mala?

Tem gente que não larga, né? Há quem estrague seu tempo em um lugar completamente novo, com tanto a ser vivido, por ficar pensando em looks totalmente batidos.

Parte da facilidade que tive em lidar com aquela surpresa, vem minha praticidade que tenho para me desfazer daquilo que pesa e não faz sentido. Vem do meu valor à simplicidade que curte mais a risada a dois do que a roupa pensada para a foto a um.

Larguei a mala para trás e chorei de emoção - e de rir - nas conversas com minha amiga enquanto andávamos e tomávamos Limoncello Spritz quase na mesma proporção pela Europa.

Essa foi só mais uma. Dessa vez, a vida se encarregou dela. Mas eu também já abri mão de algumas malas por escolha própria.

Já larguei uma mala que só pensava nela mesma enquanto a ideia era construirmos uma vida a dois.

Recusei uma sugestão mala que me pedia para entrar em um treinamento de inteligência emocional para continuar trabalhando em uma empresa com a qual eu não me identificava mais.

Mas tem gente que não larga a mala.

Arrasta a mala do marido e da esposa em relacionamentos que se tornam cada dia mais pesados.

Há quem prefira levar a mala do filho nas costas em vez de usar suas rodinhas para que o fofo ande com mais independência.

Tem quem torça para que a mala do emprego se perca, mas que, por escolha própria, não abre mão dela.

O tempo todo vejo gente com dificuldade de despachar aquilo que já não é mais o que foi um dia; que insiste em viver revirando bagagem velha à procura de algo novo.

É triste ver quem prefere pagar excesso de bagagem todo dia só para carregar consigo o peso das malas feitas para viagens que já acabaram, em vez de se permitir dar lugar à leveza de conhecer seu próximo destino.

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