Nós mesmos exemplares

Um texto sobre o tempo que perdemos com coisas que sabemos que não são para a gente; questões de simples afinidade e pura consciência disso



Assisti ao filme “Garota Exemplar”. Adorei. E adorei de tanto que detestei. Gostei mesmo. Duas horas e meia de uma história filmada só para vender. Mas eu que não vi os sinais: colunas bestas de internet elogiando o longa e, o tira-a-teima clássico, o livro entre os mais vendidos. Certeza que não iria me pegar.

Enquanto o filme ainda rolava do meio para o fim, me joguei no Google pelo celular. Busca: “filme garota exemplar ficha técnica”. Tudo junto, em minúsculo mesmo, já estava morrendo de fome e quase colocando uma sonda para não me mijar todo. Resultado: “149 minutos”. Eu estava tão desnorteado que não conseguia calcular isso em horas. Só – já sabia pela demora da história – que era muito tempo.

De cara, pensei: “perdi a minha noite de segunda-feira”. Mas não. Como disse, eu adorei essa porcaria. Gostei demais porque me levou imediatamente à certeza de que forçar a barra em algumas coisas é definitivamente perda de tempo. E o que é um filme bom ou ruim, se não aquilo que esperamos dele e o quanto somos correspondidos?

Hoje mesmo, na inspiração deste texto, duas amigas comentaram que “Caminhos da Floresta” deveria ter acabado na metade, quando o conto de fadas chega ao fim. Que talvez a segunda metade do tempo no cinema seria só para testar a capacidade de nossa bexiga depois de um litro de refrigerante. Não achei isso. Para mim a segunda parte é justamente o que justifica o filme: a floresta como a complexidade da vida e o cuidado que temos que ter ao desejar as coisas como num conto de fadas, pois, quando você conseguir aquilo, pode não ser o que você realmente gostaria de viver. O musical da Disney em cartaz é sobre o quanto pensamos somente em nós mesmos e depois nos fazemos de coitados quando “a floresta” cobra o preço por aquilo que nos deu.

Eu já falei que amei “Garota Exemplar”? Sim porque o filme me disse o quanto devemos ser exemplos de nós mesmos. Isso quer dizer: sermos fiéis àquilo com o que nos identificamos ou não. Peguei emprestado com uma amiga e paguei pra ver. Nada a ver. Vale experimentar, sim. Afinal, nos testarmos só reforça quem realmente somos. Mas faça moderadamente, ok?

Para que assistir a todos os filmes que concorreram ao Oscar? Dá tempo? Temos dinheiro? Precisa? Os cinéfilos que se divirtam. No universo infinito das séries de TV, quem se joga sem critérios para assistir a tudo que é lançado e acompanha até o fim?

Adorei a primeira temporada de “House of Cards”. Parei no segundo episódio da segunda. Não era pra mim. A insistência da vez é “Breaking Bad”. Assisti à primeira leva e... Nada. Vou terminar a segunda temporada e... Chega. Também indicação de alguns amigos. Mas o que é uma série boa ou não, se não aquilo que esperamos dela e o quanto somos surpreendidos? A história do professor de química que se torna badboy traficante para liberar seu lado oprimido sobre a justificativa de conseguir dinheiro fácil para deixar para a família graças ao câncer que acaba de descobrir – respira – é boa. Mas o ritmo não. A plástica é linda. É cult – escreva isso e vão te dar créditos sobre o que está argumentando – mas a enrolação é trash. Cenas looongas para dizer tão pouco.

        Portanto, obrigado “Garota Exemplar”, Ben Affleck e “Breacking Bad” com Mr. White e Jesse Pinkman e tooodas as capas de publicações sobre AS MELHORES SÉRIES, muito obrigado por me mostrarem que, não importa o quanto agradem a maioria, algumas coisas realmente não me ganham.

Oremos: sejamos fiéis a nós mesmos; não nos percamos nas referências alheias que não nos cabem; filtremos aquilo que nos serve e nos faz melhores e agradeçamos por conseguirmos livrai-nos de todo o desperdício de vida. Amém. E o que é o prazer de viver, se não aquilo que desejamos e o quanto conquistamos disso? Seja o seu melhor exemplo.


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