Quem se fecha, envelhece



A previsão de chegada estava para as nove da noite. Caldas Novas a Ribeirão Preto. Goiás, São Paulo. Saída às duas da tarde, então, nove horas de estrada em um ônibus que levava, em sua maioria entre os entre os viajantes, aposentados. Senhores e senhoras acima dos sessenta anos. E eu. E meus pais. Irmã e cunhado. Seriam duas paradas ao longo do trajeto. Foram três. Um extra para a turma descer no busão para comprar panelas, pois, como ouvi, "Panela em Goiás é boa e bem mais barata". Tudo bem. Essa acabou que foi a primeira virada da chave para desligar o veículo. Com apenas trinta minutos desde a partida do hotel de piscina de águas quentes, já me irritou.

Nos três dias e meio de hospedagem com a minha família, morri de rir. De comer - tudo incluso. De beber - a gente incluía levando fardinhos de cerveja de fora para dentro do hotel. Proibido, sim. Divertido, muito.

Passada a irritação da minha odisseia de volta para casa, fiquei pensando naquela reunião de velharada e que, logo mais, eu serei parte da ala geriátrica. Afinal, não são só asilos e a morte que nos lembram disso. Felizmente, a diversão dos cabecinhas brancas também me colocou em contemplação.

As entradas das piscinas aquecidas tinham rampas. Todas com corre-mão. E sem radar de velocidade mínima para passar por elas e chegar até a água. Ninguém ali estava com pressa.

Toda noite: bingo. Na tarde de sábado, bolero, bossa. Um cantor no teclado puxando músicas em italiano e fazendo as boquinhas mais murchas dublarem letra a letra das canções que eu nunca ouvi. As mesmas boquinhas que sorriam, me faziam sorrir e distribuíam selinhos entre os parceirinhos que às vezes dançavam ensaiadinhos.

Nada os abalavam. Quase todos bebericavam. Cervejinha ou batidinha de coco - e ao escrever nesse monte de diminutivo, só percebo meu carinho aumentando pelo presente dos dias com, além da família, um grande grupo que não se fecha para a vida, que não reclama da maldita. 

Ali eu vi: envelhece quem se fecha. Quem se fecha, envelhece. 

Andavam devagarzinho, mas ninguém se arrastava. Demoravam nos degraus do ônibus, mas todos desciam para ver os montes de compotas de doces na parada da estrada de Minas Gerais. Não tinha selfie, mas tinha amor próprio: as senhoras todas maquiadas e com maiôs que não pareciam inadequados, que não pareciam maiôs e sim mais uma vestimenta leve e escolhida a dedo para curtir mais um dos momentos sem neurose.

Gente velha é gente neurótica. E frescura, prepotência, egoísmo, egocentrismo e mania de superioridade não têm idade. É coisa de quem se fecha. De quem acha que sabe de mais. Que não se permite. Que envelhece sem precisar virar sequer uma folhinha do calendário.

Meu entojo no retorno da viagem veio em parte do cansaço e também por eu pensar: "Isso aqui, nunca mais". Passados somente três dias, eu penso: que mala eu sou/ fui/ tenho que me policiar para não ser.

Pode reparar: quem o tempo todo solta coisas do tipo "isso não é para mim", "ai, você é louca porque eu não me sujeitaria a isso", "Deus me livre! Só você para topar uma coisa dessas!". Gente velha mesmo jovem fisicamente. Gente mala. Gente fechada.

Julgar é se fechar, envelhece. Compreender é se expandir, amadurece.

Na concentração de velhinhos sobre as rodas na estrada, eu posso ter sido peixe fora d'água. Mas agora, com os pés no chão, agradeço pela experiência que me ensinou que é preciso se cuidar para não nos fecharmos num aquário em que a água tende a secar e nos isolar. Porque, ali na frente, eu também vou querer o meu momento sem pressa nem noia naquela rampa que leva para a água quentinha.



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