Se os solteiros convictos já se divertiam tendo que inventar uma desculpa para desmarcar o encontro uma hora antes de encontrar a outra pessoa, imagina agora que a pandemia veio como o pretexto universal para não ter que ver alguém.
A era dos solteiros convenientes chegou e pelo jeito não tem mais motivo para não ficar.
Este tipo de solteiro é aquele que encontra quem estiver com vontade e o principal: somente quando ele estiver com vontade. E não pense que são só homens. Mulheres também dão migué desde muito antes dos recursos “Visto por último” e “Online” do WhatsApp. O clássico “Fala que eu num tô!” revezado com “Fala que já tô dormindo...” ou “Tô doente” e em casos extremos “Avisa que eu morri!” são da época do disco numérico encalacrado no telefone com fio.
Acontece que a conveniência é parte do ser humano – a dificuldade para dizer a verdade que será mal recebida também – e a Covid veio para quem não abre mão da viral recusa de um convite.
Sorte dos convenientes. Enfermos dos que buscam pretendentes.
Eu enquanto solteiro inventei meus próprios recursos. Extremamente conveniente e nem sempre convincente.
Já usei do clássico trabalho além do horário - mesmo no fim de semana, à noite, apresentação de projeto, relatório, cobrindo férias etc. Apliquei todas as indisposições: dores de garganta e de ouvido e mal-estar e diarreia e tontura. E cheguei ao desenvolvimento do meu próprio método: o uso da minha tia de Jardinópolis.
Eu moro em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, há vinte minutos da tal Jardinópolis. Então era algum contatinho indesejado no momento – atenção para a expressão ocasional NO-MO-MEN-TO, sim, eu sou uma pessoa horrível - me chamar que eu dizia “Ah, não vai rolar, estou na casa da minha tia EM JARDINÓPOLIS” – como se precisasse de duas pontes aéreas, aprovação de visto e desembolso de dinheiro para pagar excesso de bagagem para eu voltar para Ribeirão e encontrar com alguém.
Às vezes já estava marcado e eu (tinha a preocupação de no mínimo duas horas antes) avisava que fiquei enrolado em Jardinópolis e não conseguiria voltar para Ribeirão em tempo. E teve uma vez (talvez cinco vezes) que eu disse que fiquei sem sinal de celular em Jardinópolis. Não contem para o prefeito.
Obrigado, Jardinópolis. Desculpa, Contatópolis.
É ruim mentir assim, é, eu sei. Mas tem gente que não se ajuda. E eu me preocupava em não dar muita migué para os mesmo contatos com muita recorrência. Mas mantinha minha conveniência com o mínimo de decência. Geralmente intercalava uma-desculpa-um-encontro-um-migué-um-beijo. Para não enjoar, gente.
Mas eu não conseguia embaçar muito. Logo eu jogava a real - até porque em três anos solteiro nunca encontrei um bem resolvido o bastante para ser um bom contatinho e não querer viver casamentinho.
“Olha, desculpa, não vai rolar mais... Tô afim de curtir outras pessoas”. Pronto. Por escrito e até por audio – vídeo-chamada ou ligações jamais... Usava Jardinópolis até nesses pedidos de conversas. E então eu recebia respostas secas e macumbeiras ou respostas polidas que durariam uma semana e daí vinha o novo pedido para sairmos - ou a revolta em saravá.
Certa vez um fofo me mandou um Ted Talks transcrito acabando com o meu entendimento de que eu sou uma boa pessoa, me chamando de convencido e que eu só saio quando eu quero e que eu parecia ficar com várias pessoas ao mesmo tempo. Disso tudo que ele disse, eu só não sou convencido.
O lance é que, querendo curtir a vida de solteiro ou não, a gente só se apega a quem mexe de alguma forma com a gente. Nada padrão me chama atenção.
Um beijo aos solteiros convenientes que agora usam da pandemia para curtir a conveniência da independência e prevenir essa certa eterna carência de pessoas que se apegam a qualquer “Oi” dado um pouco mais educadamente.
Se eu estivesse solteiro nesta era em que máscaras previnem corona e ajudam a nos esconder numa redoma, talvez muita gente nunca saberia que em Jardinópolis eu tenho uma tia.
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