Barraca da Tia Chica



Enquanto as cores de liberação da pandemia vão e voltam mais rápidas que a mudança de qualquer semáforo – entre laranja, amarelo, vermelho, e cadê o verde? – o post de uma amiga que é tarada por viajar a cada oportunidade, me fez lembrar não só de lugares, mas de pessoas que nos encantam em locais para onde viajamos.

O não-turístico é o que geralmente mais me atrai. Quem me conhece sabe a relação de dependência que tive por muito tempo com o Guarujá (SP) e o amor que passei a ter especialmente por aquelas três prainhas clássicas: Enseada, Pitangueiras e Astúrias. Uma ao lado da outra. Uma tão diferente da outra.

É na Pitangueiras – a mais fervida e a que, por isso, geralmente mais curto - que fica a Barraca da Tia Chica. Bem no meio de Pitanguerias, quase que como se essa senhora toda charmosa tivesse passado uma fita métrica, daquelas de costureiras, para medir e dividir a distância entre Enseada e Astúrias, e ali no meinho ela colocar sua barraca.

Tia Chica deve ter mais de 60, ao menos é o que aparenta. Deve ser o sol. Com uma disposição e bom humor fora de bases. Deve ser graças ao sol. Arma a barraca sozinha, coloca as cadeiras e guarda-sóis, cozinha e prepara as bebidas. 

Quando o movimento pega um pouco mais – geralmente aos finais de semana – conta com uma ou duas meninas para garantir que ninguém fique sem atenção. Tia Chica é Girl Power total! Ao final do dia, é ela quem puxa sua barraca dobrada como um origami, com as pilhas de cadeiras amarradas a ela, pela rampa de concreto que dá acesso da areia para a calçada. Uma força! Será que é o sol?

Nunca ouvi sua história, bem que queria, mas ela corre, sobe pra rua, desce com gelo, lava vasilhames e panelas já usadas na preparação dos quitutes, anota, fecha a conta... Tia Chica é uma Pilha Chica, sem neuroses.

Eu a imagino como uma ex-executiva de uma grande empresa. Sabe aquela história? Passei a vida vivendo para o trabalho, até que resolvi vender coco na praia? Ela mesma. Para mim, ela foi uma líder admirada, a única mulher executiva na multinacional, anos ralando muito para chegar ali e um dia ela se cansou de ser chamada para um meeting, receber um invite, chamar uma call, mudar o mindset, negociar o budget, cumprir o deadline e outras expressões do mundo corporativo que tira qualquer restinho de autenticidade que as redes sociais já não tenham retirado de nós.

Na minha imaginação, a Tia Chica usou toda a experiência empresarial para ignorar completamente esse tal comportamento e oferecer o que ela tem de mais autêntico e apaixonado para quem escolhe a sua barraca no Guarujá. Sua porção de pasteis de carne é maravilhosa. Que tempero! Se quiser misturar carne com queijo, passe para a próxima tenda. É pastel de carne ou pastel de queijo. Além de bem fritinhos, sequinhos e recheados, em toda porção, Tia Chica frita as rebarbinhas que sobram do corte da massa e frita como tira-gosto-brinde-que-na-verdade-é-cobrado-no-charme-desse-agrado.

Não sou de coquetel. Prefiro o estralo da latinha de cerveja, talvez uma caipirinha. Mas a batida de maracujá da Tia Chica é fora do normal. Ela usa o Passion Fruit com paixão no preparo para a moçada e para a velharada. Todos bebem e todos recebem: um chorinho que dá mais de outro meio copo da batida que relaxa o corpo inquieto e acaba com qualquer noia de valor turístico sem propósito. Logo vem o nosso sinal verde, Tia Chica, até já já. Por favor, não morra, me espera com a batida e um bom chorinho para voltar a nos inspirar.


Comentários

Tássia Beig disse…
Certeza que já devo ter comido um pastel da Tia Chica. AHHHH, Pitangueiras e seu fervo único - me aguarde. Quero ir junto, tá? Depois de lá vou passar na Astúrias pra visitar a feirinha com uma batida na mão, claro. Depois, volto mais um pouquinho e chego na praia do Tombo, pra me lembrar dos meus 15 anos - quando abria minha cadeira e ficava só paquerando os surfistas dali. Vem sinal verde, PELO AMOR!
Gente... E aqui temos uma mini crônica deliciosa de Tássia Beig Gorgeous! Hahaha Vamos juntAZ, sim! Para a feirinha e além. Te amo, Guxi.