Eu amo esse banheiro do Ki Teto Massa. A pia em cimento queimado, com um espelho sem moldura ocupando toda a parede sobre ela, as plantas no teto caindo sobre parte dele e a torneira em cobre combinando com a cuba. Um charme.
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Coloco em cima da pia o pacote que a Pauli me deu, ao
lado do meu celular, quando pisca uma nova mensagem. Whatsapp. Mensagem de
Experimento 2. O conheci em um aplicativo que já não lembro qual. Nos falamos
poucas vezes. Ficamos de combinar qualquer bebida só para transarmos em
seguida. Nunca rolou. Talvez porque eu e ele sempre conseguíamos algo melhor
para fazer. Com segundas intenções, porém, como segundas opções.
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E aí, menina mais linda que já vi de óculos numa
foto de perfil. Quanto tempo! O acha de nossa bebida rolar hoje e depois virmos
aqui pra casa? Li. Peguei a cantada boba, elaborada em um segundo para não
parecer impessoal. Pensei em dizer que era meu aniversário. Mas pra quê? Pensei
em dizer que hoje não dava. Mas por quê? Entrar nos 35 anos com uma boa transa
pode ser uma ótima forma de esquecer a idade e retomar um pouco da minha
vitalidade.
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Olá, você. Eu topo, sim. Só precisa ser mais tarde. Estou
num compromisso. Nos encontramos no Perdiddus? Envio. Ele mal começa a digitar
e, quando penso em largar o celular para voltar a me arrumar, leio: Fechô. Tô
loko de tesão em vc. Vai querer mijar em mim?
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Os dois chopes que tomei desde que cheguei deviam
estar batizados. Porque eu tô alucinando. Só pode. Paro e penso com um
sentimento de certeza de que ele escreveu isso, é o que estou lendo, junto de
um desespero do tipo: não é possível que ele me perguntou isso. Nada contra
quem curte uma mijada no sexo, mas a gente nem se viu ainda. Quando me acho
super bem resolvida por topar um drink seguido de uma coisada no primeiro
encontro, vem a vida e aumenta o nível de dificuldade de eu me manter assim.
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De desorientada, passei para revoltada: PORRAAAA,
MARCELOOO! Envie. A GENTE NEM SE VIU AINDA, FILHOOO! Emendei. Tô de boa, boa
sorte pra vc. Ele responde rapidinho com um emoji chorando de rir junto de um BLZ,
minha gata nerd, quando quiser algo assim, tô por aqui.
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Bloqueio o celular. Me encosto de costas para a pia,
pensando no que é que eu tô arrumando da minha vida. Quando a gente não sabe o
que quer, realmente qualquer coisa serve. Até aqui, namorei duas vezes. Mariano
me botou louca por ele, com sexo sensacional, uma paixão que me fazia ir contra
tudo para estar com ele. Me traiu. Me confundiu. Me deixou em uma fragilidade
que me levou ao Muriel. Fui tão bem cuidada. Amparada. Tranquilizada na
segurança de um amor incondicional. Tão grande que fez dele o meu melhor
companheiro. Parceiro em tudo. Mas independente em nada. Foi quando eu passei a
cuidar dele. O amor de casal foi apagado pelo amor maternal. Nosso namoro me
mostrou que só amor não segura relacionamento. É preciso movimento. Mudar
sempre. Mudar junto. Tarefa fácil de descompassar. Mas fundamental para tudo
continuar.
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Meu celular acende de novo. Me viro para a pia. Mensagem
do Cadu. Aproveita aí, vc tá longe de ser velhinha, Su. Isso me leva imediatamente
para o meu tio Vlad. Meu olhar sai da pedra cinza para o meu rosto no espelho.
Meu padrinho nunca foi sozinho. Sempre amou e jamais se negligenciou. Viveu
cada troca no seu tempo. Sem medo nem ressentimento. Se entregou sem planejar,
pensar demais ou chegar ao ponto de surtar. Foi assim que meu padrinho viveu e
morreu sereno.
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Então olho para o presente da Pauli. Abro o pacote e
tiro um lindo macacão. Azul petróleo, de manga curta, decote em v com zíper e
gola social aberta para fora. Tão diferente de tudo que já usei e, ao mesmo
tempo, tão a minha cara que eu poderia continuar com meu tênis depois de me
trocar.
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Me vesti animada. O cabelo continua preso, mas agora
estou com colo à mostra, de peito aberto, solto. Fecho o outro look no pacote
de presente e me preparo para sair. Em uma última olhada no espelho, decido
que, sim, quero ter alguém, voltar a amar, me abrir, compartilhar, aprender.
Enquanto isso não acontece, vou me curtir sem me ferir. Chega de aplicativo, de
perseguidor, de pedido de mijada e qualquer outro tipo de distração. Vou me
divertir, sim, mas procurar amar alguém também. Sem pressa de encontrar, mas
animada para vivenciar. Todo relacionamento vai ser diferente. Nada que
comparar. E sei que vou ser uma pessoa melhor se alguém me complementar porque
eu não preciso de alguém para me completar.
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Passo pela porta. Ouço a música mais alta no bar.
Viro a esquina do banheiro para conseguir ver a banda e trombo com a Monize.
Nossa, Su, que linda que você tá! Uau! Meu amigo acabou de chegar. Atrás dela
vejo ele se aproximar. Ela olha sorrindo para ele e volta para empolgada para
mim: Su, eu quero que você conheça o...
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(fim da temporada)
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