Su-Surtos | Só-Sonho

 


O som do ônibus dando ré parece um pouco diferente. O vejo longe de onde estou sentada na rodoviária. Pé-Pé-Pé... Isso não é som de ré de ônibus. Pé-Su!-Pé-Su-Pé-SUSANIE!

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Acordo até com batedeira. Mal abro o olho, minha mãe vira as costas e sai do quarto. Vem, fiz um café especial de aniversário para você!
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Não acredito que sonhei com isso em plena virada para os meus 35 anos. Essa situação com a Mariano é a coisa mais traumática que já vivi. Tento pensar que, se um dia eu tiver filho, um doloroso e longo parto normal me faça finalmente esquecer isso.
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Saio do quarto com meu pijama de mendiga depois do exorcismo. Viro o corredor que leva até a cozinha e quase tropeço no Tobi. O melhor de ver a fuça desse cachorro logo que acordo é que isso faz eu me sentir linda e arrumada e jovem, o que ganha pontos extras numa manhã de aniversário rumo aos 40 anos.
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Cata essa velhinha! Berra Cadu enquanto me dá um apertão no que seria o meu pneuzinho, mas, neste caso o diminutivo não se aplica. Eu quase me borro com o berro, mas vou falar o que para um garoto de 15 anos que acaba de perder o pai? Desde a morte do tio Vlad, o Cadu veio morar com a gente. É o que restou. Sem meus avós, sem meu padrinho. Logo, logo sem o Tobi – se é que ele já não está morto naquele corredor.
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Toma! É pra você! Emenda ele. Rasgo o embrulho imaginando ser um folheto de apresentação dos benefícios de se viver na Casa do Idoso. É um porta-retrato em madeira. Lindo. Com uma foto minha ao lado do tio Vlad no meu aniversário de 5 aninhos. Meu coração se enche. Minha cabeça também. Faz 30 anos desde essa foto. Eu aqui. Tio Vlad, não.
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Obrigada, Cadu. Eu amei! Agradeço emocionada. Pela lembrança. Pela idade. Pelo tamanho e pelo barulho da minha pança.
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Aqui, filha. Manda ver! Fiz café da manhã de hotel pra você!
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Eu amo. Na bandeja tem ovo mexido, salsicha com molho de tomate, bacon e torradas. Deveria comer isso? Nem. Mas no meu aniversário e depois de reviver o pior dia da minha vida com aquele sonho, PRECISO.
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Obrigada, mãe. Adorei. Cadu e dona Vald tomam café comigo. Apesar do jeito um tanto doido da minha mãe e de o momento do meu primo me deixar um pouco pra baixo, é uma delícia estar com eles. Tanta gente me pergunta quando vou ter meu próprio canto, mas morar aqui não é uma coisa que me incomoda de jeito nenhum. Além disso, uma mulher que mora com a mãe ainda é bem mais bonitinho de dizer no aplicativo de namoro do que um fofo nesta mesma situação aos 35 anos. Discriminação? Claro. Mas se é a meu favor e ajuda a justificar ainda mais a postura tosca da homarada que conheço por aí, eu uso mesmo.
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Whatsapp. Grupo Passa ou Repassa. Um gif da Pauli com dois homens sarados, de sunga, segurando um bolo e lambuzados de creme. É a cara da Pauli abrir meu niver assim. E vai ser só isso. O restante ela me diz pessoalmente enquanto me abraça apertado como se fosse fazer meu culote sumir à força.
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Agora o Hugo está gravando um áudio. Lá vem mais uma de suas mensagens super fofas com desejos fantasiosos demais para quem já está cada vez mais longe dos 30.
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Toco e ele não me deseja feliz aniversário. Oi, Su. Estou no carro, correndo para o trabalho, mas preciso saber se a Monize pode levar um amigo dela no bar hoje à noite? Na verdade ela já até convidou ele (emoji de sorriso com gota de suor na cabeça).
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A Monize já é dose. Me arranjando um date, vai acabar com o resto da tolerância que ainda tenho por ela em conspiração ao Hugo.
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