Su-Surtos | Look Velório

 




O suor da caneca de chope pingou na minha calça e, quando olhei para a marca azul escura deixada no jeans lavado, me dei conta de que estou usando a mesma roupa que vesti para o velório do meu tio. A-mes-ma. Incluindo o tênis. Só mudei o cabelo. Em vez de armado, preso num rabo.
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Pelo jeito esse se tornou o meu look corta-a-graça, ideal para aniversário e funeral. A mesma versão da Susanie que velou o tio Vlad, agora enterra seus 34 que, na verdade, matam os meus 30 e me fazem pensar diretamente nos 40.
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Enquanto busco um guardanapo pela mesa, Monize avisa: ele deve chegar a qualquer momento, Su! O entusiasmo dela ao anunciar a vinda de um amigo que ela quer que eu conheça leva sua mão até a mão do Hugo e leva minha vontade de ter concordado com isso de volta para o meu travesseiro.
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Desculpa o atraso! Esqueci essa maravilha em casa e tive que voltar para te entregar, Sussy! Pauli segura o entusiasmo e me olha abismada. Susanie, é sério que você veio comemorar seus 35 anos com a mesma roupa que cremou o seu padrinho? Pelo amor de Deus, né, gente? Se não tem amor por você mesma, pelo menos tenha respeito por mim. Imagina quando chegar aos 38, como eu, vai deixar de comemorar para só completar aniversários. Toma. Pega. Meu presente vai te salvar. Corre para o banheiro para se trocar. Antes disso eu me RECUSO a te abraçar.
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Vai lá, Su! Você tá sempre linda e se é presente da Pauli, é coisa boa! Me incentiva, Huguinho, sempre todo animadinho. Ele me deu um livro. Um kit, na verdade. Acertou no produto. Errou no tema. A capa do box diz: “Kit Felicidade Corporativa: livro O jeito Harvard de ser feliz + livro Por trás da felicidade + Ecobag exclusiva”. Logo que vi, perguntei se eu poderia trocar. Gosto de amizade na sinceridade. São mais de 30 anos como melhores amigos. Ele disse que não, mas que me pagava um cinema com pipoca e refrigerante imensos pra compensar. Topei. Os livros vão servir calço para o meu notebook durante reuniões bestas do umbral, assim minha câmera fica na altura dos olhos e ninguém precisa ver o meu queixo duplo. A ecobag vou estilizar até a expressão Felicidade Corporativa desbotar.
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Deixo os três na mesa e vou para o banheiro me trocar. Minha mãe está trabalhando, provavelmente no apoio a um médico na extração de um frasco de desodorante do toba de algum homem de 50 e poucos anos, casado com alguma carente, repressor de seus desejos gays latentes. Dona Valdineia é instrumentadora cirúrgica e adora me contar esses casos, especialmente sobre o momento de o médico olhar para a cara da esposa e explicar o que, para a tal mulher, seria inexplicável sobre seu marido. Cadu já deve estar dormindo porque tem prova amanhã cedo. Tobi deve estar me vendo de algum plano espiritual até que alguém tropece nele e o faça voltar para seu pet-corpo.
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Onde a senhora acha que vai, Susizinha? Meu pai interrompe minha tentativa de troca de roupa. Não deu certeza se viria e adorei a surpresa. Não o vejo há semanas. Sua vida é ocupada de muito divertimento para manter seu relacionamento. Filha, você tá linda! Obrigada, seu Eurípedes, se tivesse ido ao velório do tio Vlad também teria me adorado, então! Ele não entende a referência da mesma roupa nem se interessa. Me abraça animado enquanto coloca um envelope no bolso de trás da minha calça. É o tradicional bolinho de dinheiro de presente junto de um cartão escrito a mão, tradição desde o divórcio dele e da dona Vald. Quantos milhares de reais colocou aqui atrás? Imagina, filha, é só pra você se comprar alguma coisinha. Agradeço e mostro a mesa com os meninos para ele ir se juntar. Já vou lá, Susizinha, só vou esperar o Conrado estacionar o carro.


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