Duas abelhas, dois pés e uma pessoa

 


Eu só me exercito por dois motivos: 1. Se eu precisar correr da porta do carro até a porta do bar durante uma chuva forte, eu não gostaria de enfartar sem tomar pelo menos uma cerveja. 2. Conseguir andar pelo shopping e subir uma escada enquanto converso com a minha mãe ao telefone sem deixar um metro de língua caída sobre os meus pés (é só para o caso de ligações com a minha mãe mesmo porque quando é minha irmã, por exemplo, não preciso me preocupar com isso porque só ela fala rindorindorindo. Há poucos anos atrás, tinha o terceiro motivo que seria não morrer durante uma boa “coisada” – você sabe do que estou falando, vai... – mas depois que a gente casa, o único esforço que fazemos a dois é o estender e guardar a roupa richorandorichorando.

  

Mas é por isso que vou à academia duas vezes na semana – com vontade de trabalhar de graça nesse tempo em vez disso, mas vou – e jogo vôlei outros dois dias (esse, sim, com o prazer de correr, pular na areia, gritar e olhar para os caras sarados que jogam só de short na quadra ao lado).
 
Em um dos jogos dessa semana, um amigo que jogava no time adversário pisou em algo na areia, gritou de dor, pensou ser um vidro, depois escorpião. Descobriu que era uma abelha. Tirou o ferrão, engoliu aquela dor que até arrepia a gente. Passou. O set acabou e trocamos de lado na quadra. Passados os primeiros pontos. Outro grito. Outra abelha. A mesma pessoa. No outro pé.

 

Gente. Chega aqui pertinho, deixa eu falar uma coisa pra você... Quais-as-chan-ces? Fala pra mim.

 

A gente joga em doze pessoas e ali, compartilhando daquela mesma areia, tem outras três quadras, o que pode chegar a quarenta e oito pessoas. E quem pisou na abelha foi só o Vini, duas vezes e em lados diferentes da quadra.

 

No outro dia de manhã, mandei uma mensagem para ele querendo saber qual a filosofia que ele via junto dessa situação. Ele respondeu serenamente e risonho como sempre é: “Não pensei sobre isso, amigo. Aconteceu, me preocupei na hora com o que era, mas quando vi que era abelha, simplesmente aceitei e segui”.

 

Gente. Como faz para chegar nesse nível de paz? Hoje me considero mais pleninho no jeito de ver aleatoriedades da vida como essa (apesar de ainda achar que, não neste caso, mas em muitos outros, coisas acontecem por alguma razão), porém, tempos atrás eu já ia achar que aquilo era um recado do universo. Que pisar na abelha aconteceu para me distrair e eu não jogar tão bem. Ou para distrair quem estava em volta e eu jogar ainda melhor marcando pontos em cima do adversário. Que se eu pisei em duas abelhas, com os dois pés, em momentos diferentes de diferentes quadras, ao sair do jogo algo poderia me acontecer dirigindo de volta para casa. Pirava. Pensamentos ainda batem aqui, mas agora eu os controlo rindosemmedicamentorindosemmedicamento.

 

A resposta do Vini mexeu comigo sobre o quanto é importante simplesmente aceitarmos algumas coisas. Não se trata de não agir ou viver igual uma samambaia diante dos acontecimentos, mas de realmente entender que coisas como essa acontecem e tátudobeyn. Dor que passa. Jogo que segue.

 

  


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