Já fui “foda”

 


 

Depois de completar 35 anos, a barriga aumentou e a barba começou a branquear. Junto disso, vim de um pedido de demissão depois de dez anos em uma empresa, abrindo mão de um cargo de gestão. As leituras impostas pelo mundo corporativo deram lugar a mais tempo dedicado à espiritualidade. Agora mistura tudo isso e temos uma vida que te coloca bem próximo da caridade e da humildade, um tanto diferente do que é ser “foda” de acordo com alguns que mal entendem o significado de humanidade.

 

Cargo, status, corpo sarado para viver olhando ao redor em busca de saber se está sendo paquerado já me trouxeram uma autoestima intocável que, junto dela, vinha um tanto de arrogância, prepotência, orgulho e um ego que de tempos em tempos me adoecia fisicamente.

 

Em 12 dias completarei 36 anos e o sentimento é de que eu já fui foda – no sentido de visibilidade, arrojo e individualidade. Hoje reconheço que preciso de amigos, que valorizo ainda mais meus pais, que ter o sorriso da minha sobrinha me dá mais orgulho de compartilhar do que quando participei de uma orgia.

 

Nosso “foda” muda, né? O que é para alguns, jamais será para outros. Esta semana uma amiga e leitura assídua do Caneca me mandou esta mensagem: “Hoje zerei meus textos no Caneca, estava atrasada! A correria do dia a dia me tirou este prazer, algo que prometi para mim mesma não permitir que aconteça! Aproveitei para reler os textos mais queridos e revi o ‘É cada divórcio’. Que saudade que eu estava dele! Que incrível revisitar um texto de 2019 e ler o da ‘Abelha’ de 2022! Você sempre foi um grande escritor, mas é incrível o quanto os textos atuais têm mais doçura e conhecimento, ao mesmo tempo que humildade para descrever o quanto não sabemos de nadaaaaaa. Amo-te (obrigada pela leitura)”.

 

Essa mensagem me fez ver o quanto o Caneca também reflete essa minha transformação em que entra o Matheus um pouco mais pacato no lugar daquele Matheus “fodaço”.

 

Deste meu momento de entendimento, observo o quanto “foda” virou elogio para tudo que não tem muita consistência para receber adjetivos que mostrem valores específicos. Dizem que aquela série é foda, aquele trabalho ficou foda, tal pessoa é muito foda. Fazem isso pela falta de dedicação e profundidade para colocar em palavras tudo aquilo que representa nossas verdadeiras qualidades.

 

Espero que a gente seja cada vez mais capaz de comentar uma série por sua delicadeza ao mostrar algo emocionalmente pesado, de elogiar um trabalho por sua simplicidade na execução e surpresa que causou por isso em sua apresentação, de falar sobre alguém que nos marca por sua generosidade, acolhimento e a autenticidade de não buscar ser "foda".  

Comentários

Bete disse…
É isso aí Matheus,vc se encontrou...
parabéns por isso...pelo aniversário...por tudo ❤️
Hugo O. disse…
Um texto simples, que representa muito para o escritor e também para quem lê. A gente se vê um pouco nesses relatos.