Chove há
quase três semanas e a previsão neste domingo é que os próximos setes dias
tragam ainda mais umidade, vento, frio, cinza. Cada vez mais cinza.
Muita gente
não pensa nisso, mas é engraçado como o mofo é silencioso, lento. O bolor é
algo que vai crescendo aos poucos naquilo que se entristece e não se move mais.
Difícil saber quando ele surgiu. Mas é sempre de um pedacinho mais úmido, mais
frio.
Ao mesmo
tempo que a chuva refresca, ela inunda, pode nos deixar até o pescoço, fazer
deslizar o chão até então firme e inquestionável sob os nossos pés, sob as
casas que construímos.
Difícil prever
o deslizamento. De repente a terra se solta. Talvez houvesse algum ponto fraco
naquele solo, que ninguém imaginou. Uma fresta que, por menor que fosse, começava
a separar um bloco de terra firme do outro.
Quem
passa apenas pela ventania não imagina o risco que a chuva incessante traz. E quando
tudo começa a deslizar, com a surpresa, a fragilidade, o desespero entre salvar
o outro e a si mesmo, é difícil conseguir raciocinar, quase impossível agir em
tempo de ver onde se apegar.
Muitos são
levados sem saber onde vão parar, se um dia vão conseguir ter de volta não os
bens materiais que colecionavam, mas aquela mesma energia na qual tudo se alicerçava.
Enquanto chove
sem parar, só nos resta aceitar. Vamos fazer o que? Podemos acumular a roupa
suja que não seca direito ao ser lavada. Podemos procurar meios de nos animar
diante do tempo sempre fechado. Mas a chuva não muda. Continua lá. Só nos resta
esperar. Uma hora o sol volta. Sempre volta.
Quando não
voltar, aí, sim, podemos dizer que acabou e não há mais nada o que fazermos
para nos recuperarmos de tudo que ficou molhado, frio, embolorado. Tudo que nos
foi tirado.
Sempre ouço
sobre a morte ser a única coisa certa nessa vida, mas tem uma outra certeza que
muitos desconhecem ou ignoram por medo, que também nos acompanha a cada segundo
dessa existência: a impermanência. Tudo passa. Tudo muda. Lutar contra isso é a
verdadeira perda de tempo, perda de vida.
A chuva
leva e destrói, mas também refresca, limpa, renova, rega, faz nascer, alimenta
e faz crescer, principalmente quando ela se reveza com o sol.
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