Fazia quase dez anos desde a última balada que este casal de amigos e eu pegamos juntos ontem. Lá atrás era a primeira festa dos dois naquele local. Na mesma noite, seria a minha última madrugada em qualquer lugar como parte de um outro casal, aquele me incluía. Chegamos em casa e fim.
Depois de conversarmos, eu dormi, ele despertou. Juntou suas coisas e nunca mais voltou.
Ele despertou para um basta na minha constante cobrança sobre a sua ambição. Sobre a sua falta dela. Morávamos junto. Eu sendo promovido, comprando carro, apartamento e ele dançando, jogando e sorrindo. “Quantas vezes já te falei para tirar carta e pegar uma moto? Eu te ajudo. Você não se incomoda de pegar quatro ônibus por dia para trabalhar?”.
“Não. Pra mim não tem problema”, respondeu durante aquela última discussão, resultada dos últimos meses de completa desconexão.
Esta semana encontrei um relógio que comprei com ele na loja em que trabalhou em seu primeiro emprego, depois de eu ajudá-lo em seu primeiro currículo. Anos passados, o relógio parado.
Fui até o shopping que ainda tinha a marca em que ele trabalhou para que eles trocassem a bateria. A loja havia fechado. Na semana anterior ela estava aberta. Em menos de sete dias, dei de cara com as portas baixadas em pleno horário comercial.
Enquanto eu descia as escadas rolantes de volta para o estacionamento, olhava o relógio em minha mão e pensava em como aquele namoro poderia ter sido diferente se não fosse a questão do tempo.
Ele mal tinha vinte. Eu quase tinha trinta. Ele sequer tinha feito um currículo. Eu trabalhava desde os dezesseis.
Observando aqueles ponteiros sem movimento, o tempo voltava nos meus pensamentos. Qual realmente era o problema de ele pegar quatro ônibus por dia para trabalhar?
As perguntas que, lá atrás, me paravam, pouco a pouco me mostravam como eu havia me movimentado, mudado.
Este caso do ônibus é apenas um exemplo do que, para mim, na época, se tratava de uma absurda acomodação. Enquanto que isso também era uma forma de viver na aquietação.
Eu não saberia ter agido diferente. Ele também não. Há dez anos, éramos aquilo. Um 110. Outro 220.
Na preparação para a balada com o casal que viu este relacionamento começar e acabar, eu pensava sobre o que o ego faz com a gente e como isso pode fazer com que a gente deixe de viver coisas mais puras como um amor sem cobranças.
Ao chegar na máquina para pagar o estacionamento, dei de cara um relojoeiro que uma semana atrás não estava ali.
Perguntei se ele tinha bateria para aquele meu relógio e, em menos de cinco minutos, ele fez voltar a se movimentar os ponteiros que há anos não se mexiam, dando corda em mim para entender esse amadurecimento que só conquistamos com o tempo.
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