A caminho do escritório esta semana, tocou “Faz Parte do Meu Show”, do Cazuza, na rádio do som do carro, enquanto eu dirigia. Com trinta segundos de música eu entrei em minutos de choro e cerca de uma hora de reflexão.
O que aconteceu com a gente? A voz limpa e pura do cantor naquela versão ao vivo junto da simplicidade daquela melodia e a profundidade daquela letra, me levaram para um lugar que há muito tempo eu não conseguia mais chegar.
Me levou para um momento sentir como eu já senti. Como quando eu vivi passando horas no meu quarto na casa dos meus pais, com pouco dinheiro, boa música, um livro ganhado de aniversário e alguns e-mail cheios de amor trocados com o então namorado.
A música em meio a minha semana me fez pensar o quanto fomos dessensibilizados.
Tudo ficou tão acelerado e raso que não conseguimos mais sentir. Já notou que está todo mundo com pressa mas nunca demorou-se tanto para o carro da frente começar a andar ao abrir do sinal?
Isso porque o phopho está olhando o celular em vez de a luz que ficou verde. Sentindo nada, em vez de sentir a sua presença naquele cruzamento. Deixamos de sentir e passamos a reagir.
A participação virou figurinha. É tanta música lançada e disponível com tamanho acesso que a gente nem sabe mais quem canta qual.
A arte foi colocada em trechos. Vídeos curtos que contam o filme de horas. Um minuto e meio que resumem trezentas páginas e nos privam de sentir os muitos devaneios que a leitura nos leva.
Me lembrei do catálogo da Pernambucanas, jogado na garagem de casa e o quanto a sessão de roupas íntimas me fazia sentir uma curiosidade s3xual, ainda ali aos meus 11 anos.
Hoje o Instagram está lotado de um soft p0rn com mulheres e homens sensualizando em milhões de vídeos disponíveis ali, para todo mundo. Sem curiosidade, não existe sensualidade. Sem profundidade, não existe intimidade. Tudo foi nos tirando a sensibilidade.
A paquera virou a troca de três perguntas padrões para se obter o resultado da avaliação sobre aquele pessoa servir ou não para a vaga. Parece suficiente, afinal, já vimos uma sequência de quatro fotos da pessoa no aplicativo de relacionamento e supostamente temos o que precisamos para avaliar o match. Não é suficiente.
Essa superficialidade também se dá pela quantidade. É a falsa sensação de que temos muita opção. Burrice.
A falta nos faz valorizar o que temos. Estamos vivendo na falta achando que temos muito. Estamos cada vez mais doentes porque temos cada vez menos de tudo que realmente precisamos.
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