O que fazemos de nós

 




O que seus pais fizeram com você? E o que você fez com o que seus pais fizeram com você?

Na mesa de bar, uma amiga desabafou sobre as atuais brigas com a sua mãe – que morreu há anos. O motivo da bronca espiritual foi a mãe ter sido conivente com a irresponsabilidade do pai dela que, ainda vivo, causa alguns desconfortos na vida da minha amiga, trazidos de dívidas do passado.

Quando a ouvi, fiquei ainda mais orgulhoso de tudo que ela se tornou. Olhar para seus pais dessa forma exige um tipo de maturidade que raramente é visto por conta da imagem imaculada que é colocada sobre as pessoas que nos criaram.

Esse romantismo – assim como todos os outros – em excesso, pode nos colocar em um lugar de estagnação e infantilização que nos prejudica demais.

É preciso lembrar que nossos pais são simplesmente como a gente. “São crianças como você”, o que você vai ser quando você crescer”.

Pra mim, a virada no nosso lugar de filhos acontece com o início da vida s3xual. Sempre tive isso comigo. Ali deixamos (deveríamos deixar) de ser criança e, conforme essa caminhada da vida adulta evolui, entramos em um grau de entendimento cada vez mais próximo do que têm os nossos pais. Passamos a entendê-los como iguais, sem perder, claro, o respeito a esse lugar deles.

É essa clareza que vai nos levar a entender seus erros e acertos, assim como os cometemos todos os dias, criando ou não as crianças que serão os adultos de amanhã.

Quando entendemos isso, somos capazes de avaliar o que faremos com o que vem disso. O que faremos com o que fizeram com a gente. Ônus e bônus implantados em nossa personalidade antes mesmo de aprendermos a falar – mesmo que a intenção tenha sido sempre oferecer aquilo que seria melhor para nós. Inevitável.

Tenho visto situações de filhos adultos que se tornaram verdadeiros Peter Pans por se recusarem a crescer, justamente por terem sido – e ainda serem – mimados demais pelos pais, por exemplo.

No vôlei de areia que me aventuro há anos, certa vez um casal levou o filho – que ficou sentado do lado de fora da quadra enquanto o jogo rolava. Devia ter uns 6 anos de idade. A cada set que a gente avançava, aumentava também a quantidade de vezes que o phophinho gritava com os pais e fazia eles irem para fora da quadra olhar o que ele queria mostrar no celular que eles jogaram na mão dele para distrair o pequeno mala.

Olha aqui pai – gritou o menino na lateral da quadra. Pode mostrar, o papai tá jogando – respondeu pela tela de arame da quadra. Não! Vem aqui fora olhar direito! Filho, o papai tá jogando… Vem agora porque assim você não tá vendo! E lá foi o pai olhar.

Imagina a demanda de atenção que esse serzinho vai colocar sobre os outros em sua vida adulta.

Eu amo as referências que meus pais me deram, especialmente a educação e a responsabilidade que sempre me colocaram.

Com esse mesmo amor, eu olho para algumas coisas que eles também fizeram com a melhor das intenções, mas que me limitariam demais, se eu não tivesse esse entendimento (que vem com a maturidade e o autoconhecimento) para entender que aquilo não é necessariamente quem eu sou.

Mais do que aquilo que nos fizeram, devemos ser o que nós mesmos fazemos da gente e esse refinamento é trabalhinho diário que pede capacidade de se observar e coragem de desmamar.

Comentários