Eu sempre preferi o alzheimer ao câncer – talvez essa seja a abertura mais seca e bad vibes que já escrevi para um texto mas, apesar de a comparação de certa forma ser infeliz, ela justifica a mensagem.

 

Enquanto muita gente se apega tanto a datas comemorativas e certos “marcos tradicionais” da vida para se recordar, eu sou muito mais tocado por momentos aparentemente banais, dos quais eu quero sempre me lembrar.

 

Neste último Dia dos Namorados, Eláiaz me presentou com uma caixa enorme cheia de bombons e biscoitos decorados e flor, a qual eu amei, mas, foi no dia seguinte que, durante uma festa junina, ele acertou um chaveiro piratão do Homem-Aranha o qual eu pedi para ele na barraquinha do tiro ao alvo. Fiquei emocionado, feliz, apaixonado, como quando criança.

 

Aliás, já pensou como as emoções que mais mexem com a gente estão ligadas ao que frequentemente sentíamos quando crianças? Como uma mistura entre a inocência e a alegria simples.

 

Se um dia algo me tirar a memória, peço que me deixe olhar para o chaveiro do Spider e me emocionar de novo. Assim como quero rir todas as vezes que eu ler a palavra Because, do inglês “porque...”, como resposta à pergunta, que minha mãe usa fazendo piada como se fosse a própria forma de perguntar (morro de rir até escrevendo, gente!). “Mãe, vou chegar mais cedo para te buscar”. Ela digita: “Because?” hahaha. Difícil explicar, mas acho genial e louca ao mesmo tempo. Por isso mexe comigo.

 

Quero lembrar da história de uma amiga que, na casa dos quarenta anos, fazia repetidamente a ola todas as vezes que a tal onda de braços erguidos na arquibancada vinha para o seu lado durante a espera de uma apresentação na Disney, enquanto suas filhas adolescentes já não a acompanhavam depois de cinco repetições daquilo e as criancinhas em volta dela a olhavam inconformadas com suas animação e disposição. Chorei de rir quando ouvi e me animo sempre que me lembro disso.

 

Ter o vídeo ajuda a guardar, mas essa é outra que quero sempre lembrar: meu pai filmando a mão da minha mãe retirando o último suspiro de chope do barril consumido em casa para mandar para seus amigos a prova de mais essa vitória, quando ela levanta o cel e a filma de pijama. Ela imediatamente solta um “ah, não, Nei” acompanhado de um tapa no celular que o jogou longe. Gente, eu choro de rir. Especialmente com o final, com o celular virado para o chão e a voz do meu pai ao fundo, “nossa, Bete, que isso, parece louca...”. Se ela não tivesse feito isso, seu vídeo com chope e pijama teria dominado o mundo, acredite.

 

Que eu possa ter comigo a lembrança da Olívia, minha sobrinha e afilhada, falando “Dindo dá a mão...”, me apontando essa mãozinha minúscula de quem acaba de completar dois anos, junto dessa vozinha doce e ainda enrolada para algumas frases. De uma amiga trocando o "Então como é que é?" por "QUEM DISSE QUE NÃO É?!" aos berros enquanto puxava o Parabéns pra Você em um aniversário e provoca o silêncio confuso em todos que a ouviam conduzir aquilo. Trago frequentemente a memória de infância com a minha avó sentada à mesa da cozinha em uma manhã me ensinando a fazer pequenos sofás colando caixas de fósforos umas às outras depois de serem embaladas com papel de presente. De uma das minhas tias me matando de susto no banho, também quando criança por enfiar a mão no vitrô do banheiro, silenciosamente, até que eu percebesse a pequena intrusa ali comigo. De outra tia que, na mesma época, toda vez que atravessávamos uma pequena ponte para chegarmos até o mercado do bairro, ela pulava loucamente, fazendo o ferro soltar um barulho alto, acompanhado dos seus gritos de “Vai cair! Vai cair!” - nem por isso tenho medo de pontes, mas poderia.

 

Mais que lembrar da decoração da festa, quero continuar rindo toda vez que minha memória me trouxer a lembrança de eu e minha irmã deitando na piscina de bolinhas das crianças com a minha sobrinha, filha dela, sendo soterrada por bolinhas deitada no meio da gente porque nós dois somos totalmente desproporcionais àquele ambiente. Também quero me lembrar sempre de um vídeo feito com filtro que deformava nossas caras no celular e nós dois morrendo de rir enquanto gravávamos caras e bocas, e minha mãe ao fundo fazendo comentários sérios inconformada com aquilo.

 

Dentre tantas cervejas, risadas e confissões juntos, quero me lembrar sempre do dia que meu pai, sentado comigo no sofá, sem nunca termos falado sobre a questão de eu ter me assumido gay recentemente, soltar: “Matheus, você vai deixar esse cara fazer isso com você? Você não precisa passar por isso, você merece coisa melhor”, depois de meu então namorado ter deixado uma mochila minha na calçada da minha mãe sem sequer avisar e a mochila, cheia com as minhas coisas, ter sido roubada.

 

Sobre o amor, além do cuidado de todos os dias, também quero ter comigo o dia em que eu e Eláiaz ficamos maratonando os filmes de Harry Potter que passavam na quase extinta TV a cabo no esquenta para o lançamento do mais recente “Animais Fantásticos”. Ficamos ali, os dois, no quarto do hotel de uma cidade cheia de coisas para curtirmos, mas nada era mais interessante do ficarmos só nós dois ali, assistindo, conversando, abraçando.


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