Su-Surtos | Agora toda tulipa me irrita



MuriÉL! Tchutchu tchu ru tchu… FOI PRO CÉU! Tchutchu tchu ru tchu…
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Eu tô tentando não falar pra respeitar seu momento, mas tá foda essa cantoria, Sussy. Ainda mais repetindo só esse trecho. Eu te aceito como cantora de praça de centro de cidade, mas não curto essa música nem na voz do Ed Motta, imagina na sua e trocando Manuel pelo nome do seu ex, aquele marmota?!
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Até que demorou mesmo pra Pauli me cortar. Consegui manter meu hino terapêutico durante todo o trajeto até ela estacionar.
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É que pensar que o Muriel vai estar no velório do meu tio depois de um ano sem nos vermos, me deixa meio tensa. Eu cortei o cara das redes sociais e nossa última conversa no wtsapp ficou meio suspensa. Semanas depois de eu ter terminado com ele, o papo da sua parte foi na insistência respondendo ao meu tom de desistência. Deixa eu tentar de novo? Foi a última dele. Depois disso não veio mais nem Feliz Ano Novo. Nunca respondi. A coisa morreu ali.
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Olhar a pessoa morta pela primeira vez é tão marcante - não que se morra mais de uma vez; falo sobre aquela primeira impressão ao ver o caixão; sempre impactante, achei que explicar isso seria relevante.
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Oi, tio Vlad. Disse alto, sem nenhuma vaidade. Depois o admirei tranquilamente enquanto o via coberto de flores até sua metade. Mais lavandas. Sobre ele e no meu arranjão que pedi para ficar ao lado esquerdo do caixão. Lado do coração. Exposto ali com o meu cartão.

Continuo olhando para ele e só vejo paz. É como se ele sorrisse me dizendo que morrer não é nada de mais.
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Que homem que me inspira! Vai sempre me influenciar. Desde que me conheço por gente, tio Vlad me mostra o que é amar, sem de ninguém precisar.
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Se eu morresse hoje, seria até capaz de eu ressuscitar, de tanto surto que eu tenho pra solucionar. Porque não sei se somente eu me basto, afinal. E a morte do meu padrinho pode calhar de ser um sinal.
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Se com o primeiro namorado eu vivi uma grande paixão e com o segundo um amor que nunca me deixaria na mão, o que eu ainda poderia encontrar fora de mim? O recado pode ser que eu realmente fique melhor sozinha, assim.

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Tá difícil animar pra se relacionar. Troco aplicativos por aperitivos. Se me chamam pra primeiro encontro, prefiro meu edredom e ponto. Quem sabe se um amigo me apresentasse… Será que isso ainda existe? Acho que sim porque tem gente que realmente insiste. Além disso, dizem que a chance do casal é maior quando se conhecem por um amigo em comum. Por mais que a preguiça me atiça, no fundo tenho medo de acabar sem nenhum.   

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Oi, Susanie, eu sinto muito pelo seu tio. Me virei, mas não gelei. Quase não a vi atrás daquele borrão amarelo. A Pauli logo atrás dela só me olhou com um sorriso singelo. São para você. Tulipas. 

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Não acredito. Eu recebo meu primeiro buquê de uma pessoa que existe não sei pra quê. Obrigada, Monize. Agradeci com aquela imagem em reprise. Por nada, o Hugo está com a sua mãe na sala reservada porque ela disse que prefere ficar por lá sentada.

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Conheci o Hugo quando criança. No meu niver de 5 anos, ele estava ao meu lado na mesa do bolo junto de outras crianças. Olhava para mim enquanto assoprava a velinha em uma época ainda cheia de esperança. Ele com apenas 2 aninhos e desde então todos sempre se encantaram pelo Huguinho.

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Ele e a Pauli moram no meu coração. Todo dia é como um presente essa amizade em que os três ganham sem competição.

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A Monize apareceu faz três meses. Dizem que o namoro deles já passou do período de experiência. Eu a vejo como uma uma sonsa que se acha cheia de referência.

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O Hugo não sabia me dizer qual a sua flor favorita, então escolhi a tulipa. O amarelo simboliza esperança e luz. Ela continuava e eu só conseguia pensar em comer um belo cuscuz. Muita gente acha que as tulipas são holandesas, mas na verdade elas são turcas, olha só que delicadeza! Cuscuz, cuscuz e cuscuz. Eu ainda descobri outra coisa intrigante: a tulipa teve seu nome originado na palavra turco-otamana tulbend, que significa turbante.

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Legal, Monize. Esse é meu tio, Vlad. Apontei pro defunto. Tio, Vlad, essa é a Monize. Mesmo morto, quero ver se ele aguenta esse assunto. Vou procurar minha mãe. Saí dali porque esse papo de turbante me fez querer me dopar de calmante.

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Dou um passo comprido pra sair logo dali e de repente ouço um grito que não reconheci.

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(Episódio novo toda terça e quinta aqui no site e no Instagram @DoFundoDaCaneca)

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