Su-Surtos | Homens que vão


 (Do Fundo da Caneca apresenta: Su-Surtos, uma série com Susanie)


Lá se foi mais um. Do nada, gente. Pelo menos é segunda-feira e me livrei de mais um daqueles treinamentos de soft skills que só me desenvolvem ainda mais a vontade de kill someone.

Tá na moda dizerem que precisamos ter “antifragilidade” pra aguentar lidar com gente sem agilidade – de pensar, de decidir, de responder. 

Me livrei de uma para cair em outra: o velório do meu tio. Ainda prefiro encontrar parentes distantes chorando que gerentes toscos se achando.

Eu curto tanto o tio Vlad. O melhor padrinho que eu poderia ter tido. Ele sempre disse que se vivesse até os 70, já estava ótimo. Pensava que o avanço da idade levava a vida ladeira abaixo. Viveu no 220. Morreu aos 65. Infartou. Dormindo. Parece que até na hora de morrer esse homem teve todo o controle sobre a sua vida. Deve ter escolhido até isso!

Homem inspirador. Um dos bons. Claro que partiu. 

Se até os tanga-atoladas que ainda estão vivos somem da minha vida, por que não seria assim com o tio Vlad? Alguém de bem que não olhava a quem. Sorria e amava o que fazia. Ajudou a todos sem pedir a ninguém. Amou quem quis, se livrou de quem o amarrou. Sempre se libertou e agora nos deixou.

Me ouvia sempre sobre os malas. Homens que mal vêm e logo se vão. Ele sempre desapegado. Eu aqui insistindo com esse bando de mal amado.

Tio Vlad é que estava certo. Namorou e largou. Casou e desandou. Sempre tentou. Sempre trepou. Nunca se limitou. Aos 50 anos, adotou, foi pai solteiro e se aquietou. Disse que foi assim que mais se doou. 

Foi o Cadu chegar e crescer para o tio Vlad morrer. O que vai ser desse meninão agora? Órfão aos 15 e eu ando tão desanimada dosomi que já o imagino como mais um que vai fazer as meninas se iludirem por ele logo aos 20 anos.

Que absurdo eu julgar o coitado desde já. Mas só meu chuveiro e o chão do banheiro sabem o que alguns caras me fizeram passar. Estou entre desistir e continuar a tentar!

Depois de ter vivido dois amores tão diferentes, o que mais eu poderia encontrar? Queria tentar um outro partido, mesmo sendo mais confortável ficar comigo.

Mas, primeiro as flores! Sobre essas, não tenho dúvida. Tem que ter lavanda. Tio Vlad amava. Era bem resolvido até nisso. Se eu morresse ninguém saberia a minha flor favorita - até porque não tenho uma. Mas pensar nisso me irrita. Talvez se um dia alguém me surpreendesse com um buquê, eu passaria a sabÊ...

Uma demora para atender um telefone, gente… Lá no umbral - como chamo carinhosamente onde passo dez horas do meu dia trabalhando - não pode passar de três toques. Se chegar à quarta chamada sem você atender, querida, você vai se arrepender.

Oi. Quero encomendar o Arranjo Pleno - que nome é esse, gente? Mas até isso me lembra o tio Vlad - Vi no Insta de vocês. Vou pagar com Pix. O cartão vai assinado como Susanie, com S - respondi já sabendo qual seria a primeira dúvida do atendente. Com S e com ie no final - me adiantei de um jeito ao mesmo tempo inútil e esperançoso àquela que seria a próxima pergunta do fofo porque ninguém nunca entendeu meu nome de primeira ou de segunda (tenho uma tia que não entende até hoje, faz 34 anos que ela erra), graças a essa finalização, fechamento e lacração tão exótica colocada pelo meu pai na hora do registro na certidão. 

Com E? - tentou confirmar o senhor na maior calma do mundo. Com a letra i e com a letra e. Com as duas. Susani-e! 

E mais uma vez recebi aquele silêncio do tipo coitada da moça, qual será o problema dos pais (no meu caso, do PAI) dela para darem um nome que se escreve assim?, seguido por um: desculpa, eu não entendi.

Olha, o senhor pode colocar Su. Só Su. S e U. Está ótimo. Para mim o mais importante é o cartão ter a frase que passei para vocês antes: Tio Vlad, eu sei que você se deu as suas melhores chances e viveu como a melhor versão de si mesmo.

Já te enviei o comprovante enquanto a gente conversava. Obrigada! 

Mensagem da Pauli: te busco em trinta minutos para o velório e é melhor pensar em se arrumar porque eu soube que o Muriel vai passar lá.

Caí sentada porque por essa eu não esperava.

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(Novos episódios toda terça e quarta aqui no site e no Insta @DoFundoDaCaneca. Na quarta: Ep 2 - Me arrumar pra quê ou pra quem?)

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