Su-Surtos | Meu tio morre, meu ex vive

 


Aaaah, eu sei! E-U-SE-I! Ouço isso num grito tão alto que daria para ouvir lá do asfalto.

Chego na sala reservada até com a mão gelada.

De longe não reconheci os gritos da plebeia, mas ao entrar vi que vinham da boca da dona Valdineia. 

Mãe, para com isso! Se continuar, te dou um sumiço. OLHA PRA ELE, SU! Ela apontava pro Cadu. EU SEI! EU SEEEEEI PORQUE ELE ESTÁ ASSIM! Mãe, chega, olha pra mim! ELE ESTÁ TODO DE BRANCO PORQUE É FILHO DE OXALÁ! Não sei quem é, mas achei melhor deixar pra lá. CADU, AGORA VOCÊ É MEU FILHO TAMBÉM! EU SEI QUE SE SEU PAI ESTIVESSE VIVO, MEU IRMÃO DIRIA AMÉM! VAI EM PAZ VLAD, VOU CUIDAR DO CADU COMO MISSÃO, NÃO POR CARIDADE!

Desde a separação do meu pai, minha mãe se aventura cada época em uma religião. De lá pra cá, fala de Jesus a Oxalá.

Só o abraço do Cadu a fez parar. E eu pensando que quando eu saísse daquela sala não saberia pra quem olhar. Foi só então que vi o Hugo. Oi, Su. Toma, bebe um suco. Su-suco. Pensei. Não comentei. Porque se eu falasse, ia parecer que solucei.

Su, eu acho uma pena o tio Vlad morrer. Mas esse foi um cara que soube viver! E você viu quem chegou? A Monize que me avisou. Ele jogou essa sem prever que a minha vontade seria de correr. Pois meu pai mandou mensagem que não viria, então que outra pessoa seria?

MuriÉL… Tchutchu tchu ru tchu… FOI PRO CÉU! Para, gente! Essa música, mesmo na minha mente, só me deixa mais descrente. Pois se vai pro céu o cara tão bacana que me aqueceu no inverno, quem o rejeitou só pode merecer ir pro…

Oi. Boa tarde.

Essa voz mansa. Tem quase 30 e a pureza de uma criança. O que não chorei quando vi meu tio, olho para ele e no meu rosto sinto um rio. A minha vista embaça, eu olho pro Muriel na porta todo sem graça e entendo que me arrumar assim foi só pra fazer pirraça.

Ele recua. Sumiu. Será que me viu?!

A dona Vald o viu. Claro que viu! Porque NA HORA ela saiu. Certeza que minha mãe foi atrás! Hugo me arruma um lenço, satanás! Não sei o que deu em mim… A última coisa que pensei é que eu reagiria assim.

Me recuperei rapidamente. Vou sair dessa sala, lindamente. Enxuguei meu rosto com entusiasmo, enquanto o Hugo ainda me olhava PASMO. 

Conheço bem essa nuca. Andei rumo a ela como nunca. O cutuquei, por pouco não o virei. Oi, Muri. Oi, Susi. Obrigada por ter vindo - protocolei mesmo não sorrindo. Imagina, eu adorava o tio Vlad e sua família sempre me recebeu com bondade… Além disso, eu tinha que vir te dar um abraço. E assim ele me puxou pelo braço.

Ficamos orelha com orelha em um momento de carinho que nada se assemelha. O Muriel vê algo em mim que eu sinto que não tem fim.

Se eu disser que ainda quero tentar, sei que na hora ele vai voltar.

Ao abraço se desfazer, ele teve que dizer: e esse cabelo despenteado? Claro que ele jamais diria armado ou, no mínimo, arrumado.

Nada a ver, vim correndo. E cadê seus óculos, você pelo menos tá me vendo? Fez graça. Coloquei lente, tentando algo diferente.  

Susi, você não precisa disso. Pra mim, o que importa é seu sorriso. Nosso namoro foi algo surpreendente. Não precisamos agir diferente. 

Ele é sempre tão bom. Esse é tipo o seu dom. Será que a gente ainda tinha algo para tentar? Talvez eu tenha terminado sem pensar. De lá até aqui, eu acho que amadureci. A ansiedade diminui com a idade. Pode ser que o que eu não achava suficiente, agora possa ser diferente. 

Enquanto eu pensava ali parada, ele deu aquela continuada. O que a gente viveu foi lindo. Ele diz e eu sinto algo vindo. Hoje entendo que eu realmente era acomodado, mas agora estou muito mudado. Gente, ele vai me chamar pra sair, meu tio morto e ele me dando essa vontade de sorrir.  

Desculpa eu não ter te acrescentado em quase nada. Eu ouço comovida, calada. Tão humilde, ele realmente seria meu melhor companheiro, ouço encantada segurando a vontade de ir ao banheiro. Eu te curto muito, mesmo você sendo meio surtada. Eu entendo isso como uma cantada. Quero te ver bem, mas preciso ir, tenho que buscar minha namorada.


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