Olha, você vai ter que esperar um pouco mais. A gente só considera desaparecimento depois de 24 horas sem ter notícia da pessoa. Por enquanto, podemos fazer um boletim de ocorrência.
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Agradeço
o policial e saio andando. Prefiro esperar em casa ou pensar em algo por lá.
Acelero o passo de novo depois dessa parada inútil na viatura. Pode ser que o
Mariano já tenha chegado.
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Dona
Conceição permanece na mesma posição. TV. Sofá. Agora com sua tradicional
tacinha noturna de vinho. Nada dele, dona Conceição? Eu não o encontrei em
lugar nenhum. Cheguei até a conversar com a polícia! Conto toda a minha busca
para ela e um ódio começa a empurrar a preocupação pela janela. Caio sentada no
outro sofá. Isso tá muito esquisito.
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Minha
sogra percebe minha mudança de humor e me serve um chá com um remedinho para
acalmar. Aos poucos meus pensamentos vão sumindo... Trago uma almofada para
perto do rosto... Repito comigo que Tá tudo bem, Tá tudo bem...
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Shhh...
Para, filho. Vai tomar um banho e dormir. Olha o estado que você tá! Ouço
baixinho atrás do sofá. Luz da sala apagada. Olho ainda meio desorientada e a
luz da cozinha lá atrás só me deixa ver dois vultos. Meu Deus, ele chegou!
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Oi,
lindo. O que aconteceu? Onde você estava? Pergunto sonolenta. Ele não responde.
Su, volta a dormir, minha filha. Amanhã cedo vocês conversam. Esse cuidado dela
me desperta como se ela soubesse de algo antes de mim. Como assim amanhã cedo,
dona Conceição?! Gente, são duas da manhã... Ela insiste. Sinto o cheiro forte
de bebida vindo do Mariano, ele está com o cabelo todo despenteado e começa a
falar meio torto. Shhh, filho, pelo amor de Deus, fica quieto, amanhã vocês
conversam.
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Ahhh...
Quer saber? EU VOU CONVERSAR AGORA, MÃE, ME DEIXA! Ele grita interrompendo
minha sogra e começa a falar sem parar. VOCÊ QUER SABER ONDE EU TAVA, LINDA?
QUER?! EU TAVA NA CASA DE UMA MENINA!
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Me
estômago se comprimiu. É como se eu tivesse sido completamente esvaziada por
dentro. Eu sumi. Ao mesmo tempo que me mantive ali. Quieta. Com o mesmo olhar
de quando ele começou a falar. Sem me mexer.
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VOCÊ é
uma TROUXA mesmo! Se acha toda esperta porque beijou um cara na balada quando
começamos a namorar! AGORA TOMA! Eu tava CURTINDO MESMO! Mariano, isso foi
cinco anos atrás, eu te contei na mesma noite e depois de dar um tempo por três
meses, você disse que estava tudo bem.
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EU FALEI,
MAS NÃO ESTAVA! E QUER SABER? NÃO FOI SÓ HOJE QUE EU FIQUEI COM OUTRA PESSOA!
(ele gargalha muito alto, a qualquer momento um vizinho pode interfonar). JÁ
SAÍ COM OUTRAS CINCO E VOCÊ NEM PERCEBEU! VOCÊ ACHA QUE FAZ O POVO DE TROUXA,
MAS A MAIOR TROUXA É VOCÊ!
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Beleza,
Mariano. Valeu por me contar. Saio andando rumo ao quarto. Ele não vem atrás.
Dona Conceição, por mais tranquila que seja, está visivelmente desacreditada. Sinto
vergonha por mim e por ele. Ela leva um copo d’água para ele e volta a falar
pra ele ir tomar um banho. Então ela me alcança e vê que estou fazendo a minha
mala.
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Su, é
madrugada. Fica, dorme e amanhã vocês conversam melhor. Desculpa pela senhora
ter que passar por isso, mas não tenho condição de dormir assim. Vou embora e
depois me resolvo com ele. Mariano agora chega ao quarto. Susanie, para de
graça... Fica aí, vai! Para de drama! É a sua cara querer dar um surtinho!
Agora estamos quites, vida que segue, o jogo empatou! Que bom, Mariano, então
enfia esse placar no koo.
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São
quatro e meia da manhã. Estou na rodoviária e o primeiro ônibus do dia sai às
seis. São oito horas de viagem até eu chegar em casa. Tô com bastante tempo pra
pensar em tudo isso que acabou de acontecer e, quem sabe, dormir esgotada pela
tentativa de tentar entender.
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